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A Bondade e a maldade feminina representadas nos contos de fadas.

A Bondade e a maldade feminina representadas nos contos de fadas

                            A culpa é das mulheres!

Por Alíne Valencio.

Olá minha amiga deusa. Que alegria você estar aqui novamente. Muito obrigada. E eu acredito que seja pela abordagem do tema. Está, ao mesmo tempo intrigante e revoltante não é mesmo?Reconhecer e concluir que nossos corpos foram aviltados de maneira tão violenta e oportunista por séculos, e que, ainda hoje somos responsabilizadas por tamanha atrocidade, se torna o motivo da nossa indignação, e ao mesmo tempo, um legítimo direito nosso de nos rebelarmos. Sendo assim, aproveito para endossar aqui o que eu disse no meu texto de abertura dessa revista: Eu não medirei esforços para levar o machismo estrutural e o patriarcado à bancarrota. Diante disso, vou seguir problematizando aqui o corpo feminino nos contos de fadas. E, para quem não sabe do que se trata, eu estou analisando o conto Branca de Neve e traçando um perfil histórico de como o corpo feminino foi manipulado, a fim de servir aos interesses de uma sociedade misógina, ao longo dos séculos, e ainda hoje, é. Vamos lá!

Branca de Neve é boa e compassiva. Afinal de contas ela tem a beleza para se apoiar, uma vez que, como já comentei em outra matéria, a beleza é o alicerce que sustenta o pilar dos requisitos sociais. Desta feita, o fato de ela ser órfã, maltratada e humilhada não é suficiente para abalar sua serenidade e alegria. Podemos entender o seguinte: 1- que ela não tem o direito de se abalar, porque mulheres lindas não são humanas, são belas, e 2- não importa o que ela sente, porque a beleza supre suas questões emocionais e dessa forma, isso justifica todo tipo de constrangimentos e desconsideração.

E assim, ela passa os dias a cantar e bailar com singelos animaizinhos da floresta, que são seus únicos amigos, decorando ainda mais o cenário de que, provida de beleza, uma mulher não precisa ser considerada nas suas vontades e desejos. Até porque mulher que tem desejos e vontades é marginalizada e exposta. Lembrando que, a moça, está numa casa isolada no meio do mato, com sete homens que a exploram, usando-a novamente como moeda de troca. Ou seja, ela pode morar na casa, desde que os sirva, não somente assumindo o papel de uma dona de casa, mas, também, os servindo sexualmente. Ou alguém aqui é ingênua a ponto de acreditar que aqueles homens não se serviam dela na cama também?

E, digo mais. É a beleza eurocêntrica que a mantém ali. É um fato que, se ela tivesse atributos físicos destoantes do status quo, ou comportamentos considerados “inadequados”, ou ainda, se ela se recusasse a obedecer a cartilha social da subserviência, cujos pré-requisitos são meiguice, doçura, e falar baixo e delicadamente, ela seria descartada de forma vil, porém, de maneira tão bem engendrada para que ela se sentisse culpada por isso, e mais uma vez o patriarcado poderia usar a desculpa de que “uma chance foi dada à ela, mas ela preferiu desobedecer”, e um homem sairia novamente como o salvador da mulher indefesa, mas desgarrada.

A Bondade e a maldade feminina representadas nos contos de fadas

 

Outro aspecto a ser ressaltado nessa análise é o fato de que Branca de Neve é tão boazinha que aguentou, sem denunciar para ninguém, os maus tratos da madrasta, e mais uma vez, a sua beleza justifica e endossa que uma mulher bonita deve se calar diante de abusos e humilhações. Afinal, a ela foi concedido o privilégio da beleza, isso não basta?? Esse, para tanto, deveria ser motivo suficiente para ela se contentar e calar. Quantas têm tamanhos predicados? Quantas sonham em estar no lugar dela? Sendo assim, indiretamente, ela estaria sendo ingrata por não se conformar que, atrelada à beleza está a abnegação. Em vista disso, ela sofre, mas sofre calada, bela e sorrindo. Uma vez que virtude é ser passiva e conformada.

Isto é o que se espera da mulher bondosa e bela, claro. A beleza, portanto, está aferrada à bondade servil. Haja vista que a bruxa má, ao longo do tempo, foi ficando “feia”, nariguda, velha, desdentada e verruguenta. Mais uma vez, portanto, reforçando subliminarmente, que como castigo pela desobediência, o futuro de uma mulher era ser “feia” e desprezada, como a bruxa má! Aliás, ainda se reforça e perpetua a premissa de que bruxas são más. E a gente sabe que o que elas são mesmo é sábias, livres e donas de si, e por conta disso, se derivou a alcunha de bruxas. Mas isso é assunto para outras matérias.

A madrasta, por sua vez é má. Sem novidade, nos contos de fadas, as madrastas são sempre más, instigando, implicitamente, o ódio entre mulheres e vendendo a ideia de que mulheres são inimigas, indicando que, se formos boas com outra mulher, ela nos tirará tudo que é nosso: lar, marido, beleza. Sua vilania vem da vaidade. Ou seja, tem mais essa. A mulher que é bonita, tem que fazer de conta que não é, e que sua beleza foi uma dádiva divina, e mais nada. Se ela tiver vaidade, gostar de si mesma e admitir que gosta de se enfeitar ela é má. A competição entre mulheres é uma forma de vilania. A vaidade é colocada pejorativamente, de propósito, obviamente. O espelho da madrasta é o cúmplice da torpeza. Fazendo uma metáfora, podemos dizer que o espelho é o EGO desenfreado,
descontrolado, ou até mesmo, a sociedade manipuladora. E como ela destila essa maldade Manipulando homens e usando sua beleza como arma. A madrasta é má porque tem consciência dos próprios atributos e os usa sedutoramente. Manipula o rei, manipula o caçador. Percebem que é um fato claro nessa história, que as mulheres são colocadas como as perversas que manipulam e seduzem homens bons e inocentes? Conseguem enxergar a invisibilidade da identidade real de uma mulher, a não ser quando ela está atrelada apenas à lascívia e a maldade?

Alguém já viu nesse conto da Branca de Neve algum homem ser apresentado como vilão?  Reparam que todos ajudam, salvam ou resgatam mulheres dos perigos? Exaltando a “incapacidade feminina” de se defender? Diferente de Branca de Neve, a madrasta não é inocente e compassiva. Não é ingênua. A madrasta possui noção de seu poder pessoal, é ativa, implacável, e insubmissa. Portanto, má. Ou seja, todas as mulheres que usam todo seu potencial e poder pessoal, são implacáveis na busca por si mesmas e insubmissas, são más. Amiga deusa, você é capaz de constatar por que meios o patriarcado engendra as artimanhas para se manter no comando? Dessa forma: mulheres livres, donas de si, insubmissas, e contestadoras nunca são dignas.

E entenda-se dignidade, nesse caso, pela ótica do patriarcado. Isso significa dizer que, mulher, digna, para esse contexto machista, é somente e tão somente, a mulher obediente e nada mais. Qualquer outra postura que fuja desse padrão, é indigno. Porém, para a sociedade machista esse “tipo de mulher” não é merecedora de ser valorizada. Logo, seu “castigo” é, além de ficar feia, velha e renegada pelos homens, ainda ser desqualificada de todas formas para servir de exemplo para que outras não se atrevam a buscar sua verdade e suas vontades. Como se a única salvação ou solução para a vida de uma mulher, fosse a aprovação, aceitação ou opinião do sexo oposto.

Mal sabem eles que as mulheres donas de si pouco se importam com a opinião deles. Me pergunto se eles descobrissem isso, conseguiriam dormir? Se eles realmente tivessem a dimensão da ínfima importância que o falo deles tem para nós, será que eles sobreviveriam? Você consegue ter amplitude do que isso representa para a história da mulher? Do nível de aniquilamento pessoal ao qual fomos submetidas ao longo de gerações?

Minha amiga poderosa, espero que você esteja conseguindo ler tudo isso sem estar enojada. E eu te peço perdão por enfiar o dedo na ferida. Mas, é que para as coisas mudarem não dá para fingir que nada acontece, ou nada vem acontecendo ao longo de milênios a respeito do universo feminino. Precisamos trazer à tona a verdade, e só assim poderemos ressignificar e principalmente resistir, porque, mesmo a gente vivendo no século 21, parece, por diversas vezes, que estamos mesmo é em 1500. Ou até antes! Não sei você, mas eu, muitas vezes, ouço, ou presencio situações inacreditáveis envolvendo mulheres. Essas situações me impulsionam a me perguntar se estou mesmo nessa realidade ou vivo um universo paralelo ou algo do tipo.

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Te espero semana que vem.
Com amor,
Alíne.

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