Por Cigana Carmem.
Minha querida leitora, sua maravilhosa
Mais uma segunda feira chegou e aqui está um sol estonteante. Um céu azul e límpido. Ai ai…..como eu amo! Você já sabe disso né? eu sempre repito a mesma coisa, eu sei, mas não consigo deixar de expressar meu amor pelo sol. O sol representa o elemento fogo e a materialização das coisas. Não consigo deixar é de dizer que dá vontade de dançar, celebrar o sol, honrar a vida, e isso tem tudo a ver com a dança cigana. E por falar em dança, hoje é dia de falar sobre ela e seu significado cultural.
A dança cigana está totalmente ligada à natureza, em especial ao quatro elementos: terra, fogo, água e ar e é através desses quatro elementos que se equilibra o quinto elemento: o dançarino. Isso significa que não somente fazemos parte da natureza, mas SOMOS ela. Quer dizer, não há como separar o ser humano da natureza. E a dança cigana é um instrumento de harmonização desses cinco elementos. Desse modo, é uma dança que propicia o autoconhecimento e não há como fugir disso. Ainda bem! É uma dança energizante, onde a expressão corporal é uma verdadeira festa, cheia de vida, alegria e harmonia, porque a cada música a energia se expande. Uma característica intrínseca do autoconhecimento. Não existe autoconhecimento sem expansão da energia e por consequência expansão da consciência. E, onde há expansão da consciência, há, necessariamente ligação com a espiritualidade. Então, a dança cigana é, além disso, um veículo de comunicação e manifestação espiritual.
Mas, o que eu não poderia deixar de enfatizar aqui é a valorização da sensualidade, e sensualidade está na natureza, na essência das mulheres. Contudo, lamentavelmente crescemos acostumados a certos equívocos. Por exemplo, confundir sensualidade com vulgaridade. Essa confusão acarretou e ainda hoje resulta em muitos problemas para as mulheres, porque somos sensuais por natureza, como eu já mencionei, e por conta desses conceitos errados nós somos estimuladas a sufocar, suprimir essa verdade feminina. Acontece que na sociedade machista em que vivemos colocam a culpa em nós por essa natureza e somos demonizadas por isso. Não só isso, somos violentadas e mortas todos os dias. Os índices de feminicídio estão aí para não me deixar mentir. A sensualidade feminina foi castrada porque muitos homens não conseguem se segurar e lidar com o nosso poder de sedução, e me refiro aqui ao poder de sedução pela vida, por tudo que queremos conquistar e atrair para nós. Não me refiro necessariamente a um homem. Homem é o de menos nesse contexto.
Mas, é o demais no contexto social misógino em que nos encontramos. Entretanto, não para os povos ciganos. A figura masculina na cultura cigana está para honrar, respeitar e cortejar a mulher. Tanto é que um dos pilares da cultura cigana é o casamento. Dessa forma, para compreender o casamento na civilização cigana é primordial se desconectar dos conceitos morais e sociais da nossa cultura. Na dança cigana os homens tem o papel de conduzir as mulheres. Eles são bem vindos portanto.
A saia rodada é fundamental na dança cigana, pois além de representar o movimento, movimento da vida, representa o vigor, a disposição e a conexão com a vida, seu fluxo inexorável e inevitável. Mas é lindo se olharmos por um viés simbólico sabe? É como se a saia das vestimentas ciganas fossem asas que as desprendessem do plano material e estabelecessem a conexão com o mundo espiritual. Mas, o desprender-se do mundo material nada se relaciona com “fugir da realidade” ou “criar ilusões”. Ao contrário, o desprendimento da matéria nesse sentido simboliza a confiança na espiritualidade, ou seja, abrir mão do controle, do ego e simplesmente deixar que o fluxo natural da vida aconteça. É assim que a cultura cigana se molda. E a dança é uma manifestação natural dessa parceria entre o mundo da matéria e o mundo invisível.
Outro aspecto bem importante da dança cigana, e desse movimento que as saias representam é a resistência, a luta pela sobrevivência da cultura cigana que é marginalizada há muito tempo. As mãos e as saias tem um papel fundamental na dança. Vocês já viram danças ciganas né? Lembram como as dançarinas erguem as mãos e a saias para o alto junto com elementos como leques, punhais e castanholas? Pois então, esse gesto faz alusão à necessidade de demarcar sua identidade. É como se através dessa manifestação pudessem gritar: “Nós existimos e vamos resistir”. Mas, o que me dá mais orgulho nessa dança é que ela busca ancorar a memória do povo cigano. Os movimentos precisos, delicados e afetuosos são um convite à celebração a vida.
Vocês recordam das saias ciganas como são coloridas, vibrantes, longas e rodadas né? Pois é, essas características representam sobretudo a conexão com os elementos da natureza como mencionei no início da matéria. O movimento das saias também representam diversas analogias com elementos como o infinito. Mais um símbolo da ligação dessa cultura com a espiritualidade. Porém, não é possível nos distanciarmos dos seus significados concretos em meio à uma sociedade tão desigual e preconceituosa. Portanto, pode-se dizer que dançar, para nós, é maneira de nos mantermos vivos mesmo quando tudo estiver desabando sobre nós. É uma forma de encontrar alternativas de sobrevivência, e de sentido para a vida, mas também de lutar até o fim pela manutenção do nosso legado.
Minha querida e amada leitora, conversar sobre minha cultura me traz muita alegria e felicidade, contudo, trazer à tona algumas questões que embora sejam dolorosas, também são fundamentais para tratar de outro assunto: o respeito, é muito mais que necessário. Respeito ao que é diferente do status quo, ou ao que é diferente do que você acredita como verdade faz parte de ser civilizado e ético. Concordar ou gostar é uma coisa. Respeitar é outra bem diferente. Ninguém é obrigado a gostar ou concordar com algo, até porque gostar ou concordar não diz respeito a ninguém a não a quem desgosta ou discorda. Cada um que lide com o que é seu não é mesmo? Ainda que sejam opiniões e achsimos. É imprescindível estarmos vigilantes ao nosso comportamento quando se trata da vida alheia. Medir a vida dos outros pela nossa régua, é a mais clara confissão do caos que anda a nossa vida, e o do fato de que nos recusamos a olhar para nossas dores, e o mais fácil é bisbilhotar a vida alheia desferindo nossa opinião desconstrutiva. Isso é ego. E o ego causa desastres irreparáveis para a humanidade. Guerras acontecem por conta de egos feridos que querem ter razão e impor a sua opinião. Egos destroem civilizações e matam pessoas por conta de querer que as coisas sejam de uma determinada maneira. Ego leva pessoas ao suicídio por conta de não se acharem respeitadas e acarreta também uma série de acontecimentos e desastres humanos.
Ademais, quando emitimos nossa opinião sem realmente irmos a fundo no que estamos falando, sem termos conhecimento de causa, podemos prejudicar irreversivelmente uma pessoa. E se consideramos que o que fazemos para os outros fazemos para nós, e mais, volta para nós, é sempre bom ponderar consideravelmente aquilo que falamos ou fazemos para os outros. Até porque, quem muito se intromete na vida alheia está assinando um atestado de incompetência e infelicidade insuportáveis. E é essa a razão para a necessidade de ofender, criticar e julgar o outro. Sendo assim, posso afirmar que a cultura cigana foi marginalizada tão somente porque não estava de acordo com o que era considerado “certo”, e até hoje somos vistos como bandoleiros e ladrões. Está vendo? Só porque existia um padrão imposto “por não sei quem”, diversas culturas como a indígena, a africana, a judaica e tantas outras foram dizimadas e até hoje padecem das consequências.
Por isso minha amada leitora, quando você encontrar por aí uma cigana, peço com todo amor que pratique a auto observação e analise seu comportamento, seus pensamentos, sua expressão corporal e perceba se está agindo, pensando, ou se expressando corporalmente de maneira preconceituosa mesmo que você não se manifeste verbalmente. O corpo fala, os olhos falam, as expressões falam, a sua energia fala. Nesse momento imagine por um instante que alguém está agindo da mesma maneira com você e especule como você se sentiria. Essa reflexão pode transformar o mundo e mudar vidas profundamente.
Muito obrigada mais uma vez pela sua companhia aqui. Eu amo você.
Um afago.
Carmem.