Não há “acasos” na estética da submissão.
Por Alíne Valencio.
Deusa,
Na semana passada estava exausta e me permiti, uma única vez, permanecer ausente. Realmente, foi necessário descansar e respeitar meu corpo, por isso não publiquei matéria nenhuma. Peço desculpas por isso, mas tenho absoluta certeza de que você é empática e sororiza comigo. Ah! Antes de qualquer coisa, espero que você tenha amado a entrevista com a Gabriela Alves e compreendido um pouco mais a respeito do Sagrado Feminino. Mas, o meu mais ardente desejo é que você faça uso dele para que, cada vez mais seja dona da sua vida e não permita que ninguém, absolutamente ninguém te diga como você deve vivê-la. Esse é o propósito do Sagrado Feminino: tornar as mulheres LIVRES.
Todavia, nos debrucemos na matéria de hoje. É um assunto que me deixa de cabelo em pé: o conservadorismo, o obscurantismo e o retrocesso, principalmente quando atinge as minorias, como nós mulheres. Há, dentro do processo histórico e político, uma carga semiótica que dita valores sobre o que é ser mulher e acerca de como “devemos nos comportar”. Sobretudo quando a soberania de preceitos conservadores e morais impera na comunicação política que a roupa feminina, em especial das mulheres que acompanham os líderes políticos.
Nessa semana me voltarei para a posse do presidente norte americano TRUMP. Ou melhor, minha abordagem converge para as mulheres que estão ao entorno dele. Em especial ao seu vestuário e a imagem que elas traduzem a respeito da visão que a sociedade norte- americana tem das mulheres. Gostaria de destacar alguns pontos fundamentais que encorpam esse argumento. Primeiro, se você assistiu à posse do presidente norte americano, espero que tenha reparado no chapéu da primeira dama Melania. Você se deu conta de que ele esconde parte do rosto dela? Especificamente a parte que reflete a alma, que são os olhos? Pode parecer disparate, mas o que vou te dizer é um fato. Um simples chapéu, dentro desse contexto da posse é resultado óbvio do que os americanos esperam de uma mulher: não questionar, não falar e apenas legitimar o poder masculino.
Antes que eu esqueça, me chamou muito a atenção outra situação que ocorreu nessa cerimônia. Trump a beijou no rosto, ou melhor, mal encostou no rosto de Melania. Quer dizer, praticamente nem encostou e quem teve que erguer um pouco a cabeça foi ela. Outra vez, talvez configure uma baboseira, mas esse ósculo singelo, mais uma vez imprime a obrigação de recato e subserviência. O que implica em afirmar que, considerando as premissas moralistas uma mulher jamais poderia beijar de maneira mais informal. E nem me refiro à exageros hein? Estou falando de beijar de maneira calorosa, amorosa.
Sem falar no restante do figurino. Cortes retos e rígidos e sem detalhes. Além de cores sóbrias e escuras, como se a mulher fosse um ornamento, silencioso, frio e obediente. Você percebe a mensagem por trás dessa configuração? E o detalhe mais sórdido é que nada nesse contexto é proposital, não existem acidentes, muito menos acaso nesse jogo de tabuleiro que posiciona a mulher de maneira estratégica para reforçar mensagens de ordem e conformidade.
Então, para você o que as roupas de Melania comunicam no cenário em que se apresentam? Você usaria aquelas roupas? Eu definitivamente não, ainda que os protocolos da ocasião exigissem, até porque uma coisa nada tem a ver com outra. Não é porque a circunstância pede formalidade que devemos anular nossa personalidade e identidade. Isso é, para mim inegociável. E deveria ser para qualquer mulher. Nenhuma de nós deveria ter de abrir mão da sua essência e verdade em absolutamente nenhuma condição. Isso é dignidade, e tem a ver com o direito de existir. Simples assim.
É claro que o corte é impecável, estruturado, e sofisticado, mas também é inegável a figura de uma mulher tradicional que apenas acompanha o poder masculino, até porque, se você é bem observadora, se atentou ao fato de que Melania estava sempre um passo atrás de Trump, nunca ao lado. Mais um aspecto do militarismo que ofusca qualquer possibilidade de exaltar individualidade e emoção, personalidade e identidade. E principalmente feminilidade. E sabe porque? Porque feminilidade está diretamente ligada à sensualidade e sexualidade. Tudo isso devido à conceitos equivocados a respeito do que é sexualidade, feminilidade e sensualidade. Conceitos que aliás o autoritarismo conservador faz questão de arquitetar e organizar de maneira estratégica validando cartilhas machistas e misóginas. Essa é a realidade que vamos testemunhar diante dos nossos olhos pelos próximos quatro anos. Porém, isso não é o principal. Preocupante é mesmo a reputação que os Estados Unidos exercem no mundo, e os valores que serão validados acerca do universo feminino pelos próximos quatro anos.
Uma vez que abrimos espaço para esse tipo de valores, mais ele cresce e reforça violência, anulação e obediência feminina. E pior, pessoas serem adeptas à essas doutrinas. Mais grave ainda, é quando mulheres se orgulham de proferir padrões coletivos de pensamentos e comportamentos autoritários, porque esse tipo de condição mental e comportamental segrega mulheres e instiga competição e raiva de mulheres para com mulheres. Ou até mesmo, julgamentos e rivalidade, que são os pilares fundamentais do conservadorismo, que por sua vez, consolidam no inconsciente coletivo que mulheres nasceram mesmo para se calar e obedecer. Isso é muito grave, você percebe? É um comportamento social que concretiza sentenças que restringem e limitam mulheres de todas formas. E se a roupa reflete nosso estado emocional, qual seria, na sua opinião, o estado emocional da primeira dama dos Estados Unidos? Me diga com sinceridade. Um figurino rude, que cobre absolutamente todo o corpo, inclusive os braços de maneira colossal, resulta num emocional anulado, encaixotado, sufocado. As luvas pretas, os botões encapados, embora chiquérrimos, transmitem frieza e ordem. Contudo, para mim refletem muito mais do que frieza e ordem para fora. Ou seja, eu fiquei com a certeza de que a mensagem e o massacre é ainda mais aterrador do que pode parecer.
Muito mais do que a mensagem que se pretende transmitir para o mundo, a verdadeira mensagem é para que nós mulheres sufoquemos nossa verdade, nossa essência e nossa identidade. Porque “isso realmente não importa”. É um retrocesso que anula completamente a premissa fundamental de que muito mais importante do que cumprir um papel social é cumprir um papel pessoal e individual com a gente mesma. É um recado subliminar para nós mulheres entendermos que se continuarmos teimando em querer desobedecer seremos punidas. Tudo isso está impresso numa roupa, minha deusa.
Eu sinceramente estou estarrecida com tudo que o presidente dos Estados Unidos já fez em apenas quatro dias de governo. E isso é só começo do que iremos experienciar nos próximos anos no que concerne às minorias. E não esqueça minha deusa, nessa sociedade, nós mulheres somos minoria. Porque não é apenas sobre um chapéu que obscurece um rosto feminino e castiga seu olhar para o mundo. É muito mais do que isso. É sobre obscurecer a subjetividade e a alma feminina. É sobre aprisionar desejos e vontades, e principalmente é sobre negar e aniquilar de uma vez por todas qualquer direito à LIBERDADE. Inclusive a liberdade para com a gente mesma. E essa é a mais perigosa, e por isso mesmo tão aviltada e massacrada desde que o mundo é mundo.
Então, para finalizar essa matéria, gostaria de te instigar a avaliar que tipo de conceitos você vem defendendo e perceba as consequências e os impactos que suas escolhas tem não apenas na sua vida, mas no mundo. E se você considerar que tudo que mencionei sobre o universo feminino no contexto social atual é um monte de baboseiras, saiba que ninguém, nem mesmo você ( e principalmente você, por ser mulher) escapará dos impactos violentos e colonizadores das suas escolhas.
Com meu amor feminino,
Alíne.