Estatísticas da participação feminina e as últimas estreias de filmes dirigidos por mulheres no circuito de cinema em 2024.
Por Vanessa Cançado.
– Vai Som, Vai Câmera. Ação!
Amoras (es), vamos pensar nesse ano que passou e o quanto foi desafiador para o cinema e o audiovisual como um todo. Focando nas mulheres, há alguns avanços e muitos desafios ainda pela frente. Tanto do ponto de vista das funções diversas a serem exercidas e reconhecidas no setor quanto para a visibilidade.
Conforme o último observatório ANCINE há presença feminina em diversos setores, mas as funções de Direção de Arte (48,8% x 31,7% da masculina) e de Produção Executiva (37,7% x 25,5% da masculina) são as únicas que encontram uma presença maior e quase em equilíbrio com a masculina. Para as demais funções a desigualdade é enorme.
Para se ter uma ideia na direção por exemplo, a ocupação feminina é de 23,6% contra 64,6% de presença masculina. A Direção de Fotografia de 13,7% de mulheres e 69,4% de homens. E roteiro 18,1% (mulheres) versus 49,4% (homens).
Os percentuais da participação feminina nas funções citadas, também tem influência com o gênero da obra: em animação a presença de mulheres está maior na Produção Executiva e quase zerada nas demais funções. As produções de ficção alocam mulheres mais em produção e direção de arte e os documentários alocam na produção e direção, com presença também para roteiro (22,8%).
Mas apesar desses números, que dizem mais do pensamento machista norteador do setor audiovisual, pudemos ter presença feminina de destaque, com foco nelas. Tivemos o Edital Ruth de Souza (ainda precisamos de muitos editais como esse e com mais frequência) e tivemos muitos festivais focados no que Elas estavam fazendo e algumas mostras focadas somente em filmes dirigido e/ou escrito por mulheres.
Nos outros textos aqui da coluna falo de mulheres e seus filmes, bem como dos eventos. Nesse cito e priorizo os últimos filmes que estrearam no circuito do cinema e suas realizadoras:
“O Barulho da Noite” de Eva Pereira (2023) – Sônia é uma mulher que silencia muitas dores da infância e se sente esquecida e invisibilizada pelo marido, Agenor, agricultor e folião do Divino Espírito Santo. Pai dedicado e afetuoso, Agenor batalha para dar uma vida melhor à esposa e às duas filhas. Todo ano, em nome da fé, ele deixa a família sozinha no sertão do Tocantins por 40 dias. A chegada do misterioso Athayde, suposto sobrinho de Agenor, vai transformar a rotina da família.
Esse é o primeiro longa de ficção dirigido por EVA PEREIRA que teve sua pré-estreia no circuito de cinema agora em novembro no Rio de Janeiro. No primeiro semestre de 2025 estreia no circuito comercial, anotem aí. A cineasta iniciou sua carreira como atriz. É também diretora, produtora e roteirista. Tem em sua filmografia o documentário “Pedido de Folião” (2013) e a série documental “O Mistério de Nhemyrõ” (2020);
“Quem é Essa Mulher?” de Mariana Jaspe – Separadas por um século, duas mulheres negras se encontram neste road movie pelas estradas da Bahia. Oriunda da periferia de Salvador, Mayara rememora os caminhos, surpreendentes a cada nova descoberta, que a levaram a desvendar Maria Odília Teixeira, neta de uma ex-escravizada que se tornou a primeira médica negra do Brasil.
MARIANA JASPE é roteirista e diretora, com especializações em direção de programas de TV, pela Escuela de Cine Y Televisión Septima Ars (Madrid); em Cinema, Televisão e Mídias Interativas, pela Universidad Ray Juan Carlos (Madrid); e Direção de Cinema pela Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Tem em sua filmografia o curta “Carne” (2018); o curta “Deixa” (2023); a série “Flordelis: Questiona ou Adora” (2022) e roteirista na série “Resistência Negra – Temporada 1”.
“Praia Formosa” de Julia de Simone (2024) – Narra a trajetória de Muanza, uma mulher nascida no Reino do Congo, traficada para o Brasil no século XIX e que, de forma misteriosa, desperta nos dias atuais. Ao se deparar com o Rio de Janeiro, percebe que a cidade é um mosaico de tempos sobrepostos, onde personagens históricos e contemporâneos coexistem, tornando-se parte de sua busca por raízes e identidade. Nesse cenário atemporal, Muanza explora os espaços cariocas, revive gestos de resistência contra a desterritorialização forçada e encontra afetos que reforçam laços de irmandade e pertencimento. A narrativa é conduzida por essa interseção de épocas, revelando uma cidade que pulsa com histórias de luta e resiliência. Com profundidade e sensibilidade, o filme oferece uma reflexão sobre ancestralidade e a persistência da memória no presente, mostrando o impacto duradouro das vivências e a força da identidade cultural.
JULIA DE SIMONE é diretora, produtora e roteirista que tem em sua filmografia a direção de “Rapacidade”(2023); “Segundo Take”(2017); “Aracati”(2015) e “Romance de Formação”(2011), este assina também o roteiro.
“Ensaios Sobre Ives” de Patrícia Niedermeier (2024) – O filme mostra a importância vital da arte, atravessando a obra do artista francês Yves Klein e seus desdobramentos.
PATRÍCIA NIEDERMEIER é atriz, diretora e roterista. Tem em sua filmografia a direção de “Não Sei Quantas Almas Tenho”(2022); “Reviver”(2018); “Salto no Vazio”(2017). Esses dois últimos assinou o roteiro também. É roteirista do filme “Fado Tropical”(2019).
“Todo Mundo Ainda Tem Problemas Sexuais” de Renata Paschoal(2024) – Quatro histórias curtas, independentes, trazem as delícias e dificuldades dos relacionamentos amorosos. Uma comédia sobre curiosidades, inseguranças, desejos sexuais, sem pudores, mas com todo o resto: infidelidade, ciúmes, drama e muito humor e amor. Baseado na obra de Domingos Oliveira.
RENATA PASCHOAL é atriz, diretora, roteirista e produtora. Tem em sua filmografia a direção do curta “Corpo Celeste”(2022); diretora de produção do filme “Infância”(2014); produção dos filmes “Simonal”(2018); “Os 8 Magníficos”(2017); “BR 716”(2016); “Domingos”(2009) e “Juventude”(2008).
Precisamos aguardar o primeiro trimestre de 2025 para verificar os últimos números do ano e saber se mantiveram ou houveram algumas mudanças significativas. As poucas iniciativas e o fim do artigo 1A da ANCINE, sem nenhum movimento de que haverá alguma Instrução Normativa que reverta isso para 2025, deixam o cinema à mercê de Fundos Setoriais, que sabemos não comportar o crescimento de profissionais que o mercado tem e sem ter para onde escoar suas ideias ou produções.
A impressão que tenho é que não haverá grandes mudanças nos números citados aqui, apesar dos avanços e de vermos mais filmes realizados por mulheres nos cinemas brasileiros. Conforme dados do SICAV houve 44% de queda do trabalho na cadeia produtiva audiovisual. E pelas estatísticas apresentadas afetará mais a cadeia feminina e se focarmos em mulheres negras, trans e indígenas isso se dará mais ainda, quase nula. Gostaria de ter uma visão mais otimista, mas há um engessamento no setor afetando a todos e que precisa ser desobstruído.
Até a próxima cena!
Abraço Afetuoso,
Vanessa
Cine-Recorte: A dica de hoje é para ir ao cinema e assistir mais filmes Brasileiros dirigido por mulheres.
Assistam ao novo filme de ANA MUYLAERT- “Clube das Mulheres de Negócios“. É sensacional!