O outro lado da moeda.
Por Gabriela Chepluki de Almeida.
Você viu, né, leitora? Como a comida se relaciona com as alegrias da nossa vida, como o prazer propiciado por ela nos atrai, como ela traz profundos simbolismos com sua presença! Ela tem associação automática com amor e afeto. É muito difícil, até improvável, pensar nela como um gatilho de raiva, tristeza ou medo.
Muitas vezes, emoções negativas resultam do assunto “alimentação” como causas ou consequências dela, e não pelo ato de se alimentar em si. Normalmente, tais acometimentos surgem como culpa e frustração, e a particularidade destas emoções, é que elas surgem após um episódio de alimentação exagerada, ou impulsivamente selecionada, ou a desencadeiam.
Provavelmente, antes dele se consumar, houve uma emoção positiva, uma vontade pessoal de comer, de sentir o sabor, de acessar o “afeto” ao qual aquele alimento estava mentalmente relacionado. Então, depois de comer, a emoção negativa surge como uma ficha que caiu, com a decepção de sofrer novamente um “episódio de fraqueza” e perpetuar o ciclo das “recaídas”. Tudo isto, ocorre após uma consumação, mas, de toda forma, o sentimento inicial pela comida é
sempre de atração, mesmo que, antes dela, outros sentimentos, como tristeza e ansiedade, a tenham desencadeado.
Lógico, estas emoções podem tanto vir na forma de consequência como na forma de indução ao ato de comer. Por exemplo: em um episódio de fome emocional, compulsão ou situação semelhante, muitas vezes, há uma retenção forçosa contra o ato de comer, como resistência rigorosa auto imposta, e isto se dá porque existe um desejo pela comida no momento, contra o qual estamos tentando lutar.
Então, mesmo que as emoções negativas nos impulsionem a comer, ou surjam após comermos, mesmo que este ato tenha sido impulsivo, ele foi um ato voluntário. Quem se frustra por se alimentar, ou por tentar “resistir” contra o alimento, está em uma luta interna contra a própria vontade presente.
Vou te trazer alguns exemplos práticos sobre como a alimentação, ou um alimento em particular, podem despertar, por si só, gatilhos emocionais negativos nas pessoas. E esta perspectiva, se refere a uma situação onde, em nenhum momento, o prazer pelo alimento está presente, e a aversão presente é diretamente contra ele.
Falo este bordão com frequência: nós associamos a comida aos momentos que vivemos. E como falei no início do texto, normalmente, estas associações são positivas. Porém, o total contrário acontece, e muito!
Vou te apresentar um exemplo prático. Uma professora compartilhou uma história com a nossa turma em determinada aula: durante sua experiência em um estágio, creio, ela se deparou atendendo uma paciente que não gostava de bolo de aniversário. Abrindo uma pequena observação, não tenho conhecimento da abordagem utilizada e de como, ou por quê, esta informação foi posta em pauta. Não vou saber dizer se foi uma investigação, uma curiosidade, algo dito ao vento pela paciente, mas que minha professora captou como um sinal profundo de associações alimentares.
A paciente em questão não gostava de bolo de aniversário. Esta aversão não estava relacionada ao sabor, ou a qualquer aspecto sensorial do bolo. Entretanto, esta moça sofreu um acontecimento marcante, onde uma situação acabou se associando à outra, e mesmo o que não tinha nada a ver com alimentação, corpo ou qualquer assunto com tais vieses, acabou tendo um efeito resultante na comida.
Acontece que ela perdeu seu pai exatamente no dia de seu aniversário. A primeira associação sucedeu desta forma. Nos aniversários seguintes, o dia comemorativo não representava alegria ou festividade, mas sim a lembrança do luto por ele.
Onde isto chegou na alimentação? Pois muito bem. Qual a primeira coisa que pensamos quando ouvimos “aniversário”? Se você pensou em presentes, é mentira! A primeira coisa na qual a imensa maioria das pessoas mentalmente saudáveis pensam é o bolo (espero que leve minha brincadeira na esportiva). De toda forma, para aquela mulher, ver um bolo destes que se costuma comprar nos aniversários, a deixava triste. Este sentimento de tristeza brotava nela
porque o bolo remetia à comemoração, e esta gerou uma associação infeliz com a ocorrência da morte de seu pai.
Certamente, este relato pela professora nos gerou um sincero compadecimento pela sua paciente. E também, nos fez entender como a comida, mesmo um bolo, por exemplo, pode nos causar aversão, e nos despertar gatilhos emocionais fragilizadores.
Minha intenção compartilhando esta história é fazer uma fixação sobre como a nossa mente faz associações, o tempo todo. Ela tece um esquema de cascata e de correlações, onde um elemento nos faz puxar outro, que puxa outro, e mais outro, e então, chega na comida. Tecnicamente, qualquer situação traumática ou marcante que possa nos acontecer, em qualquer aspecto
psicológico, se tiver a presença de algum alimento, grupo alimentar, ou o ato de comer em si envolvido, tais elementos podem com certeza se tornar gatilhos.
A aversão alimentar não é só não gostar de beterraba ou bife de fígado por causa dos sabores e aspectos. Realmente, esta é a parte superficial, básica e direta. No entanto, ela vai muito mais a fundo, e suas raízes podem ser completamente alheias aos assuntos de nutrição, corpo e comida. Ainda assim, isto não descarta a correlação que frequentemente trazem. O que quero te mostrar é que a causalidade dela é abrangente, pois, muitas vezes, estão relacionadas a acontecimentos e traumas, e nem nos damos conta da sua presença.
Ela pode se manifestar porque você já passou mal comendo um alimento, porque você realmente não gosta do sabor ou dos aspectos sensoriais dele (por que não?), porque ele te fez lembrar uma situação onde você teve medo, tristeza ou algum sentimento semelhante. Sua origem pode ter viés meramente sensorial, e emocional. E na perspectiva emocional, pode ou não se relacionar com o contexto da alimentação e do corpo. Por exemplo: você ter aversão por
um alimento por ser “muito calórico” ou “fonte de açúcar” (deixo uma aspa porque estas informações podem ser popularmente exacerbadas, dependendo de, a qual alimento esteja se referindo). Aqui, você conseguiu “pescar” a relação com nossas outras conversas? Com certeza você pôde entender que a aversão alimentar pode ser um sintoma do “Comer Transtornado”, sobre o qual já falamos antes, caso sua origem tenha este viés. Em outro momento, falaremos
mais desta perspectiva também. Hoje, eu quis apenas te mostrar que o fato de alguém não gostar de algum alimento pode ter muitas razões além de um “sabor ruim”, podendo se originar muito além da perspectiva da nutrição.
Finalizo a nossa conversa com mais um dos meus estimados bordões: é nos descobrindo que sabemos por onde devemos começar a nossa mudança interior. Hoje te apresentei mais uma pecinha do quebra-cabeça sobre o entendimento da sua relação com a comida.
Estou sentindo um orgulho enorme de você por ter chegado até aqui, e sei que irá tremendamente longe, mesmo após aprender a caminhar sozinha.
Até lá, continue comigo!
Gabriela.