Os Bebês Reborn e a Sexualidade Feminina.
Por Alíne Valencio.
Minha deusa,
Eu ando cada vez menos ligada em redes sociais, a não ser que seja para consumir conteúdos que me elevem e me divirtam. Confesso, portanto que não sabia nada a respeito dos bebê reborn. Que aliás, não é de hoje né? Inclusive tem uma alusão com a cegonha. Isso me assusta. Tem algo como “O dia da Cegonha”, se não me engano. Algo que me faz pensar que, como um ‘papai noel’, a cegonha vai deixar um bebê numa chaminé qualquer. Meu Deus! O mais significativo e mirabolante nessa questão é o fato de os bebês serem recém nascidos. Eu me pergunto se, se eles fossem crianças reborn será que as mulheres iriam desejá-los tanto? É uma problemática pujante, porque reflete a dor das mulheres que os desejam. Crianças reborn não seriam Bebês Reborn. Elas anseiam por bebês e de preferência, recém nascidos.
Reborn- Renascida.
Está claro nesse emaranhado estranho, que existe uma necessidade inexorável de passar por todas as fases da maternidade. Quer dizer, se fosse uma criança já maiorzinha acarretaria um sentimento de incompletude. Você me compreende? É uma extensão de uma frustração. Contudo, vale salientar que essa insatisfação não vem de uma gestação perdida, e sim da constatação de que essa insuficiência vem de dentro. É o reconhecimento de que em algum momento essa mulher se convence de que não foi suficiente para si mesma. Ela foi, mas não acredita nisso e precisa se punir por ter se abandonado em algum lugar dentro dela mesma, logo, nada melhor que uma boa ilusão para a prática do auto flagelo.
Tal necessidade de buscar por um bebê reborn, pode ser tão somente o expurgo inconsciente de uma relação mal resolvida com a mãe, e a boneca é um espelho de uma profunda carência interior de externalizar a ausência materna, ou, esse desejo está ligado a um padrão inconsciente de que a mulher não é suficiente só porque não pode ter filhos.
Artesãs- As Cegonhas.
E vou mais longe, talvez ainda possa ser o reflexo de uma crença do inconsciente coletivo de que é obrigação da mulher gerar filhos. Isso gera um conflito interior em mulheres que não se vêem tendo filhos mas não conseguem se libertar do peso de um padrão social colonizador . Afinal imagine se todas as mulheres do mundo não quisessem mais ter filhos? NENHUMA!! Simplesmente o mundo iria acabar. É claro que iria demorar muito tempo, afinal somos 8 bilhões de pessoas no planeta. Mas estaria fadado ao fim. Portanto, imagine o peso de carregar esse fardo colocado nas nossas costas?
A boneca reborn é meramente uma mercadoria e isso não é o que está em cheque aqui, e sim o que esse desejo representa. Qual a simbologia da construção e identificação desse desejo? Ademais, fico me perguntando também se toda expectativa sobre ter uma boneca reborn não seria um ato inconsciente de sublimar uma sexualidade ferida? Para esconder o fato de que a mulher tem uma autoimagem depreciativa, como se somente sendo mãe ela se sentiria mulher, sensual, sexy e desejada? Ou exatamente o contrário. Uma necessidade reprimida de esconder o fato de que a mulher não consegue lidar com a própria identidade sexual, onde a boneca é apenas uma extensão de uma sexualidade reprimida ou uma maneira infantilizada de lidar com o conceito de maternar?
Hiper- realismo.
Há uma mensagem subliminar muito mais complexa e profunda nessa “brincadeira nada demais”. Esse tipo de argumento é muito perigoso porque minimiza a nossa sexualidade no sentido de reduzir a nossa criatividade histórica para a construção da ideia de prazer, normalizando que a maternidade está dissociada de feminilidade e sexualidade, porque mãe não pode ser referência de ‘MULHER’. Mãe não é mulher. Mãe é mãe. Mulher é outra coisa. Então, de certa forma essas mulheres buscam nessas bonecas o prazer perdido dentro delas. E a negação do direito de usufruir de uma sexualidade plena e feliz. É como se a boneca fosse um radar que aponta para esse lugar.
Para mim, só reforça o machismo estrutural porque essa relação romântica de ser mãe de um bebê reborn é resultado da maneira como a nossa sociedade enxerga a maternidade e as mulheres. É um jeito perverso de validar um comportamento social que ainda acredita na premissa de que mães não podem se nada além de mães.
Mulheres adultas ou crianças adultas?
Minha Deusa, analise comigo. Nas redes sociais mulheres adultas aparecem trocando roupinhas, dando mamadeira, levando para passear e até para o hospital. É um comportamento emocional infantilizado. De mulheres que cresceram fisicamente mas não emocionalmente. Percebe que esse tipo de conduta é grave e remonta à fantasia infantil de que cuidar de uma criança é algo perfeito e tranquilo porque as mulheres são socializadas para crescerem antes da hora.
Veja bem, uma boneca não precisar ser alimentada, sua mamãe não precisa ficar sem dormir já que a boneca não chora. Enfim, um verdadeiro romance de cinema onde as mulheres mães são belas, magras e tem uma estrutura incrível que as possibilita dormir e ficar lindas.
Além disso, a maneira como as bonecas reborn estão sendo mostradas, em muitas situações reforçam a estrutura social milenar do papel da mulher, uma vez que essas bonecas vem de épocas remotas, mas tiveram foco essa semana. Portanto, não seria a hora de repensarmos a nossa relação com a nossa sexualidade? Não seria a hora de aceitar nossas dores e curá-las para nos libertarmos do cárcere emocional a que estamos acostumadas? Não colonizaram e adestraram somente nossos corpos. Fizeram pior. Muito pior. Domesticaram nossa liberdade, nossa subjetividade, nossos desejos, nosso prazer e nossa alma.
Buscando cura emocional numa boneca reborn.
E as críticas cruéis sobre as mulheres não cessam. Não, minha deusa. Não é excentricidade ou falta do que fazer, ou apenas um hobby. É muito mais crítico. Pode ser mais grave do que você pensa. Uma fuga da realidade por exemplo. Fuga da responsabilidade do que a maternidade real exige. E do peso que ela tem. E mais. Do peso de assumir para a sociedade que ser mãe pode não estar nos planos de uma mulher. Mas como encarar a verdade escondida até de nós mesmas? Até porque ser mãe pode significar estar somente às voltas com o lar e os afazeres domésticos. É o comportamento esperado para uma mulher não é? Mesmo em 2025, ainda que não nos digam isso em palavras. Nos lembram disso a todo momento de outras formas. E talvez, essa identificação com a boneca seja um desejo reprimido. Uma expressão de um grito parado no ar.
Função terapêutica ou ‘desserviço’?
Mas, calma. Há quem defenda que os bebês reborn tem uma função terapêutica para mulheres que sofreram perda gestacional ou traumas emocionais, por exemplo. Segundo alguns terapeutas eles podem auxiliar a lidar com o luto e ansiedade.
Eu como sexóloga parto do pressuposto de que qualquer mulher considerada adulta, do ponto de vista emocional, que enxerga numa boneca uma ferramenta de cura, não é uma adulta, é uma criança grande procurando algo perdido numa infância ferida que encontra validação numa suposta muleta que parece real. PARECE. Da mesma forma que a realidade. PARECE. É viver numa ilusão em todos os sentidos do universo feminino.
Existem inúmeras ferramentas de cura, mas uma boneca, ainda que hiper real, ainda assim é uma boneca. Que tem simbologias claras. Não há nenhum sentido numa mulher que intenta se curar do luto de uma perda gestacional, olhando para uma boneca todos os dias, se comportando como uma mãe. Numa sessão de terapia, eu conduziria a mulher para o autoconhecimento e aceitação dela mesma, uma vez que eu sei que por mais que seja inconsciente tudo que está na nossa vida, fomos nós que criamos.
Isso implica em dizer que se houve uma perda gestacional, há certamente um estofo inconsciente que carrega um padrão emocional de insuficiência, incapacidade e incompetência. Logo, não é algo externo como uma boneca que vai resolver uma questão emocional e inconsciente. É necessário um profundo trabalho de auto amor e isso a gente só consegue olhando para dentro e não para fora, numa boneca.
Um abraço delicioso para você minha linda.
Até a próxima semana.
Alíne.