Quem não chora, reprime a alma.
Olá minha querida leitora, amada. Na semana passada eu mal tinha terminado a matéria, e
já estava com saudades. Não via a hora de escrever de novo para você. E já tem alguns dias
que este tema estava martelando na minha cabeça. E se não esqueci, é porque, de fato era
para ser este o tema da nossa conversa. E é lindo o tema de hoje. Vamos conversar sobre o
ato de chorar. E já quero começar “pegando leve”, hehehehe. Minha querida, você já
reparou que a nossa sociedade não está preparada para lidar com o choro? E isso já começa
desde que nascemos. Porém, o choro de um bebê, principalmente se for recém- nascido,
ou muito novinho, é compreensível e até mesmo considerado normal. Agora, basta a
criança crescer um pouquinho para muitos genitores iniciarem o processo de repressão,
com expressões do tipo: “Tá chorando porque?”, “Para de chorar senão vou chamar o bicho
papão para te pegar”, ou mais ainda, “Se não parar de chorar vou te colocar de castigo”.
Essa dói muito, porque você ensina para a criança que chorar é algo punível, e passível
de castigo, porque é feio, ou seja, a mensagem subliminar é de que é para reprimir, ao
invés de expressar. Percebe como está tudo errado? Além de ser um ato fisiológico, natural,
e de necessidade humana, é também uma atitude de cura espiritual, de limpeza e conexão
interior. Resumindo, as consequências do choro reprimido vão além dos limites e
entendimentos humanos, que estão banhados em egos, dores e cicatrizes que impedem a
alma de se expressar naturalmente, e ao longo de anos, o corpo padece. Quando uma criança chora, normalmente os adultos, impacientes proferem tantas outras expressões opressoras e aviltantes. Ora, se a criança está chorando é porque não consegue lidar com seus sentimentos, ou seja, está com medo, e o adulto, emocionalmente bronco, impõe ainda mais medo na criança quando a ameaça, veja bem, com um bicho que vai pegá- la. Isto quer dizer que o próprio adulto piora a situação e quer que a criança pare de chorar, sendo que a lambança é dele.
O ser humano adulto não sabe o que fazer, ou como resolver o choro da criança e prefere delegar sua incompetência para o bicho papão, ao invés de, em parceria com a criança buscar a solução. Ainda que não saiba qual é. Além disso, ainda não tem humildade para se vulnerabilizar diante dos pequenos a fim de resolverem juntos o problema. Enfim, chorar se torna um tormento e um problema.
Mas, quanto mais crescemos, mais o choro incomoda e se torna inadequado. Ou aquele
que chora e expressa suas emoções de maneira espontânea é achincalhado. Quer ver um
adolescente chorando? Lá vem: “Ué, você não diz que já e grande dono da sua vida, então,
pare de chorar, adultos não choram”. Afe! Meu Deus do céu! Olha novamente a mensagem
repressora. Porque será que tantos adultos não conseguem chorar hein? Alguém suspeita?
Se é uma menina chorando, aí sim que a situação se complica, com reprimendas desse tipo:
“Pare de chorar, quer aparecer?”, ou “Olha lá, fazendo chantagem emocional”, ou essa, “Ai,
só podia ser mulher”. Chorar é o ato mais corajoso e revolucionário que um ser
humano pode praticar. Afinal, quem tem coragem de chorar e mandar os outros às favas?
O que mais me gera compaixão é a premissa de que as pessoas deveriam deixar o outros
chorarem à vontade, sem questionamentos, julgamentos ou perguntas. Oras, se alguém perto de você está chorando, apenas respeite e se encontrar espaço, acolha, tanto no choro
de alegria, quanto de tristeza. E pare de questionar o choro alheio oras bolas.
As pessoas choram escondido por isso: sempre vai ter alguém criticando, perguntando e pressionando, e na hora errada, porque quando alguém está chorando não é hora de perguntas. Permita que a pessoa se expresse livremente e depois, ofereça seu ombro. Contudo, é para ser um ombro amigo, caso contrário, nem se atreva. Seja inteligente o suficiente para perceber o
quão desagradável você se tornará ao tomar atitude diferente. O significado cultural do choro é associado à fraqueza. Vulnerabilidade. Ou seja, para a sociedade quem chora é fraco, bobo, e incapaz de resolver questões importantes e consideradas “sérias”, uma vez que seriedade também tem seu significado distorcido. Vide ambientes formais de trabalho, como bancos e instituições financeiras, onde pessoas que riem e choram facilmente, ou expressam alegria constante são mal vistas e não levadas a sério.
Entretanto, sério mesmo a ponto de precisar de tratamento crônico é o comportamento da sociedade atual. Para a nossa sociedade só é sério o estressado, o infartado, o mal humorado. E isso se explica, porque há uma justificativa para assim se proceder, já que a vida é “difícil e dura”. E sendo assim, não há motivos para rir ou chorar à“toa”. Além de comprovações científicas a respeito dos benefícios do choro, tanto físicos quanto emocionais, para a espiritualidade chorar é o comportamento mais nobre e verdadeiro para o encontro com a nossa verdade. As lágrimas são reflexos das dores ou das delícias da alma.
Sendo assim, chorar cura. Simplesmente isso. E quanto mais engolimos o choro, mais dói,
mais fere, mais o corpo grita. As pessoas reprimem o choro porque chorar é reconhecer
aquilo que não queremos ver, aceitar, confrontar dentro de nós. Quer dizer, chorar nos
conduz para nós mesmos, para o autoconhecimento e para o reconhecimento de quem
somos verdadeiramente. Isto significa dizer que quando choramos estamos enfrentando a
ilusão de quem achávamos que éramos e percebemos a fantasia egóica na qual nossa vida
está pautada. A ilusão que tínhamos de nós mesmos se desfaz em cada lágrima que cai dos
nossos olhos, refletindo verdades e desconstruindo o castelo de areia no qual vínhamos
levando a vida. Muitas vezes um choro soluçante e transparente é a razão que nos faz
mudar toda a rota das nossas vidas, rumo à nós mesmas.
Entretanto, há um relato muito importante que preciso deixar aqui. Não estou me referindo
em momento algum ao significado cristão do ato de chorar. Porque o cristianismo associa
o choro à remissão do pecado, ao sofrimento, ao arrependimento, aos castigos e às
punições, como se chorássemos somente nas adversidades ou nas aflições. E nesses
momentos, dentro desse contexto cristão, chorar é se autoflagelar pelas atitudes que um
dia tomamos e depois nos arrependemos. Mas, em nenhum momento nos ensinam o auto
perdão através do choro. Em nenhum momento ensinam generosidade e compaixão para
conosco. Chorar, ao contrário, é um atestado de autoamor e de acolhimento que advém da
compreensão que agimos de acordo com a consciência que tínhamos no momento em que tomamos determinadas atitudes.
O ato de chorar é reconhecer que tudo aqui nessa existência é aprendizado, e que estamos aqui de férias, e logo retornaremos para casa. E quando nos deparamos com essa verdade, choramos, porque entendemos o profundo
ensinamento da vida, de que Deus está nos esperando, não importa o que tenhamos feito,
porque sempre teremos oportunidade de nos redimir. Mas não a remissão cristã punitiva,
coercitiva, castradora. E sim, a remissão que liberta do grilhões emocionais e mentais que
nos limitam. Portanto, para a espiritualidade, chorar é se desvencilhar de tudo aquilo que não é você de verdade. É ir de encontro a si mesmo. É o passaporte para seguir a si mesmo. Logo, entenda-se aqui, quando uso palavra “espiritualidade”, novamente não estou direcionando meu olhar para a premissa cristã, que vai na contra mão do pressuposto libertário,
revolucionário, subversivo. E eu, cigana que sou, parte de um povo renegado e
marginalizado pelo próprio cristianismo e pelas próprias instituições religiosas, afirmo que
chorar é um prática de resistência que não abre mão da verdade da alma.
E isso é o que o cristianismo menos quer: pessoas livres que não seguem seus preceitos castradores e coercitivos. Enfim, minha querida, para terminar nosso bate papo de hoje,
quero te dizer, de todo o meu coração que, se você tiver vontade de chorar, chore! Chore
muito, e não se reprima, não se julgue, não se puna. Ao contrário, se acolha, vá até um
espelho e olhe nos seus olhos e nesse instante você verá os mesmos olhos daquela menina,
daquela criança sonhadora e alegre. Porque nossos olhos não mudam, passe o tempo que
passar. Pois, se tem duas coisas não mentem são os olhos e a energia das pessoas. E por aqui encerro a coluna de hoje, com um sentimento de gratidão e missão cumprida. Feliz! Muito feliz!
Te espero na semana que vem.
Um afago.
Cigana Carmem.