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Clitóris- Um anarquista.

               O prazer censurado.

Por Alíne Valencio.

Deusa,

Essa semana tomei conhecimento da existência de um livro que, embora eu ainda não tenha lido por completo, o pouco que vi já foi suficiente para escrever uma matéria efusiva e atrevida, bem do jeito que eu gosto. Quem acompanha minha coluna sabe que o assunto aqui é sexualidade feminina e tudo que envolve o “ser mulher”. E eu, como uma bruxona que sou, quando bati o olho nesse conteúdo percebi que tinha encontrado o assunto para escrever essa semana.

 

Antes, porém, gostaria de esclarecer para as MUSAS leitoras que estão me perguntando se vou voltar com as matérias sobre Maria Madalena, que é lógico que sim, eu vou voltar. Sempre. Estou apenas fazendo um desvio de percurso com temas que estão diretamente ligados à ela. Bem, e você pode estar aí com um semblante desconfiado, torcendo o nariz sem entender o que o clitóris tem a ver com ela. Tudo minhas queridas. TUDO!

Bem, a obra a qual me referi no início da matéria chama-se: O Prazer Censurado- Clitóris e Pensamento, da Catherine Malabou. Nessa obra ela se refere ao clitóris como:

“Um símbolo da não dominação, da não penetração e da sexualidade não reprodutiva. É anti-normativo e político. O clitóris é portanto, um anarquista”.  

Atávico não é mesmo? Além de revolucionário. Ora minha querida. Maria Madalena foi uma mulher que não se deixou dominar e por isso foi censurada, perseguida e marginalizada. Ela foi julgada. Da mesma maneira o clitóris o é na sociedade machista em que vivemos. Enquanto para alguns é um tabu, para outros ele é um bruxo que vocifera contra a submissão feminina. É resistência histórica. Mas ainda assim um tabu, logo, pensar o clitóris hoje em dia é pensar de forma libertária, como uma bandeira de não dominação feminina. É por meio dele, e do que ele representa para a mulher que anarquizamos nossa condição de “minorias” numa sociedade misógina e que por isso mesmo, é tão censurado. A partir do momento em que nós, mulheres, nos tornamos íntimas dele, ou melhor, nos tornamos ele, estamos desestabilizando um território milenar de castração e colonização dos nossos corpos. Você compreende isso?

Por isso mesmo sua característica política se faz imprescindível, e ele é político por natureza desde o momento em que não hierarquiza nada nem ninguém. Mas, por milênios ele foi relegado e limitado à servir o desejo de um homem. Por muito tempo ele foi desvinculado da capacidade de raciocínio e de discernimento de uma mulher. Ou seja, para um ser sexo masculino a mulher era desprovida de inteligência, e só servia para ser penetrada e reproduzir de maneira recatada, moralista e obediente. Tentaram esmagá-lo, comprimi-lo e adestrá-lo. Colonizá-lo. E embora ele tenha lábios, e lábios lascivos e sedutores, que ninguém nunca menciona nem restitui à natureza e a exatidão do sexo da mulher, agora ele não aguenta mais tanto autoritarismo. E por ser anti- normativo não romantiza os relacionamentos e coloca mulher no patamar de Dona de si, e isso já se configura por sua anatomia, que é política por natureza. Tanto é que a sua localização na vulva reina soberana. Ele é cercado pelos lábios, mas está afastado da vagina, e comanda o trono ditando as regras do gozo. Sendo assim, sua autonomia perante a sexualidade feminina é primordial. Dessa forma, como a própria Catherine diz: “ Biologia e política são indistinguíveis”. Destarte, ainda assim há quem torne evidente a batalha por saber se o prazer sexual feminino existe independentemente da reprodução. Segundo pesquisas que ela cita no livro sim, o clitóris tem um papel importante na reprodução à medida que ativa uma série de efeitos cerebrais, aumento do fluxo sanguíneo, elevando a taxa de oxigênio e a temperatura da vagina, aumentando a lubrificação, proporcionando a mudança de posição do colo do útero, o que paradoxalmente retarda o esperma incrementando sua motilidade.

Tá, mas e o gozo vaginal? Muitas mulheres não conseguem ter gozo vaginal, e outras nem acreditam que ele existe. Mas, para nossa felicidade ele é real e se configura o mais genuíno reflexo da liberdade e resistência feminina, porque, uma vez que ele se expressa no corpo de maneira anárquica, comprova de fato o caráter fundamental do prazer, do orgasmo feminino como protagonista da capacidade intelectual da mulher, já que, ao ter prazer desconectado da premissa castradora da reprodução, seus arranjos neurais se reorganizam, provocando um processo de expansão da capacidade de armazenar informações e estabelecer conexões com o intelecto. Para mim, o prazer clitoriano e vaginal, não existem um sem o outro, porém são independentes, obviamente. Já Freud, que, ao meu ver era demasiado machista, considerava que de fato a evolução sexual da mulher passava pelo abandono do estágio clitoridiano do prazer em prol do estágio vaginal de acordo com a função reprodutora da sexualidade. Ou seja, Freud, do ponto de vista social, era mais um verdadeiro reprodutor da ideia da soberania do falo e em detrimento do prazer feminino, e defendia que a função biológica fundamental da mulher era a reprodução. O que perpetuava ainda mais a premissa machista da submissão feminina.

Diante disso, pode-se dizer que quanto mais exercitarmos o orgasmo e o prazer, mais nossa capacidade intelectual se potencializa. Uau! Talvez seja por isso que o prazer desvinculado da imposição da reprodução seja tão temido não é mesmo? Pessoas emocional e intelectualmente inteligentes não aceitam cabrestos. Portanto, se pensarmos que Maria Madalena foi uma mulher que por ser tão apontada e marginalizada, tão somente pela razão de que defendia o direito ao conhecimento intelectual da mulher e combatia a sociedade cruel que cerceava esses direitos.

Além disso, o prazer quando censurado por autoritarismos, sejam eles morais, religiosos, sociais, políticos ou culturais resulta numa geração de mulheres insatisfeitas, exaustas, iludidas, neuróticas, e principalmente submissas.

Minha querida deusa, acredito que até aqui tenha ficado mais do que claro que esse pequeno órgão do nosso corpo tem um poder expressivo na luta feminina pelo desmantelamento dos ideais conservadores e retrógrados. Mas, o meu maior desejo é que você quebre tabus a respeito do clitóris e que você o explore. E mais, que você cuide dele com o mesmo amor com que cuida dos outros órgãos do seu corpo. E, se você se desvincular da visão parcial do moralismo religioso você será capaz de olhá-lo como seu melhor amigo sem julgamentos, culpa ou tabus. Simplesmente como mais um órgão do corpo que tem sua função específica dentro do conjunto de órgãos do corpo. E sim, ter prazer é uma função biológica como tantas outras de tantos outros órgãos do corpo. Quando você se desvincular dos tabus e ressignificar os pré-conceitos arraigados no seu inconsciente sua percepção se tornará divina.

Se tudo que eu disse fez sentido para você, me conta o que achou.

Te encontro na próxima semana,

Um abraço

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Alíne.

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