Do cinema novo à retomada na cinematografia brasileira realizada por mulheres.
Por Vanessa Cançado.
– Vai Som, Vai Câmera. Ação!
Amoras (es), como prometi que haveria uma segunda parte nessa viagem ao passado e os aprendizados com mulheres pioneiras e precursoras, vamos lançar um olhar sobre aquelas que levaram para as telas, questões caras para nós mulheres, reflexões de uma sociedade feminina que pouco se reconhecia em seus direitos. Fazendo um retrospecto dos direitos conquistados pelas mulheres no período do cinema novo (final da década de 50) até pouco antes do cinema de retomada (início de 80), conseguimos entender a amplitude e importância de cineastas como Helena Solberg, única representante do mulherio cinematográfico a participar do cinema novo. Estamos falando de 1966, em que lança seu primeiro filme “A Entrevista”, evidenciando a mentalidade da mulher burguesa da época e desconstruindo imagens.
Quatro anos antes, mulheres casadas conquistaram o direito de trabalhar sem precisarem mais da autorização do marido para exercer o direito de se inserirem no mercado. Se pensarmos em outros acontecimentos espaçados das conquistas das mulheres, como, o direito a portarem um cartão de crédito (1974), a lei do divórcio (1977), os direitos das mulheres se igualarem ao dos homens enquanto cidadãs (na Constituição de 1988) – ainda que em muitos aspectos estejam apenas no papel. E, pasmem, a premissa de uma mulher não ser mais virgem, deixou de ser motivo para anular um casamento somente em 2002. Com essa pequena retrospectiva de algumas conquistas desse período, podemos imaginar a luta para as mulheres de cinema se destacarem num universo com uma mentalidade tão fechada e machista. Principalmente, em posições de comando.
E Helena tem um papel importante na representatividade da mulher dentro das telas e dos sets de filmagem. A cineasta exaltava a figura feminina, e ainda eleva a mulher a uma posição de evidência e importância em suas narrativas e nos bastidores também. Já nessa época, trazia mulheres nas mais diversas funções, mesmo quando essa pauta não era discutida como primordial para composição das equipes, como no seu filme “The Double Day “(1975) em que
compõe uma equipe essencialmente feminina
num filme que retrata a condição da mulher
na América Latina. Em sua filmografia
tem filmes importantes como: “A
terra Proibida” (1990), “Carmem
Miranda: Banana is My Business”
(1995), “Vida de Menina” (2003),
“Palavra (En)Cantada” (2008), “Meu
Corpo, Minha Vida (2017) e o
documentário “From The Ashes
Nicaragua Today” que lhe rendeu
um prêmio Emmy em 1982. Helena é uma cineasta com quase 60 anos de cinema e deveria ser mais reverenciada pelo próprio cinema brasileiro.
Outras duas cineastas que quero destacar, do mesmo período e que são muito importantes para o cinema brasileiro: Teresa Trautman e Adélia Sampaio. Todas mulheres de cinema e que, como Helena Solberg ainda estão entre nós, para nossa sorte, fazendo cinema.
Teresa Trautman foi a primeira cineasta a abordar a liberdade dos corpos femininos, em seu longa “Os Homens Que Eu Tive” (1971) e numa época de ditadura militar. Tem em sua filmografia: o curta “O Caso Rushi” (1977), “Sonhos de Menina-Moça” (1987) e foi co-roteirista de “Os Saltimbancos Trapalhões”(1981).
Adélia Sampaio foi a primeira cineasta negra a realizar um filme de longa- metragem de ficção – “Amor Maldito” (1984) abordando o tema do homossexualismo feminino, mas começou no cinema na década de 60, exercendo diversas funções e dirigiu inúmeros curtas-metragens. Mas a partir da década de 80, conseguiu o reconhecimento como uma mulher de cinema. Entre
sua filmografia tem os longas “Fugindo do passado: Um drink para Tetéia” (1987) e o mais recente AI-5: O Dia Que Não Existiu, de 2004.
Tenho que destacar outras mulheres, das quais, oportunamente ainda mencionarei por aqui e, que são importantes para o cinema brasileiro como um todo. Admiráveis representantes das mulheres de cinema e que se destacaram nas décadas de 70 até o chamado cinema de retomada: Lucia Murat, AnaCarolina, Tizuka Yamasaki e Suzana Amaral.
Olhando para a trajetória e o cinema realizado por essas cineastas, podemos fazer um paralelo com os tempos atuais, e é fácil perceber que caminhamos lentamente em importantes conquistas e o quanto podemos mais. Da retomada do cinema em 1995 com “Carlota Joaquina” de Carla Camurattiaté a atualidade, o percentual de filmes realizados e que têm mulheres no
comando fica em torno dos 20% dos filmes produzidos no Brasil, o que me parece um contrassenso, uma vez que em três décadas permanecemos com números semelhantes, contudo, não é um espanto frente às barreiras que nos são impostas. Isso demonstra o quanto precisamos falar muito sobre o cinema feito por mulheres, sobre mulheres, e evidenciar o diverso e o representativo contexto feminino na filmografia do país, em prol de um saudável e justo equilíbrio. Será que esse equilíbrio um dia chegará?
Até a próxima cena!
Abraço Afetuoso,
Vanessa.
Fontes: livros Mulheres de Cinema de Karla Holanda (org.); Feminino e Plural de Karla Holanda
e Marina Cavalcanti Tedesco (org.). Além dos filmes e trajetória das cineastas.
Cine Recorte: A dica da vez é o documentário de Lucia Murat, narrado
pela atriz Irene Ravache (1989)
“Que Bom Te Ver Viva “.