As borboletas da cultura popular brasileira.
Por Alíne Valencio.
Leitoras,
Artistas, mulheres incríveis,
Essa é a coluna de teatro da revista Mais Minha do Que Nunca, porém, não temos uma colunista para assumir esta coluna. Entretanto, eu, como sou atriz há mais de 30 anos, mais precisamente 33 anos, com uma bagagem e experiência sensacional no mercado artístico, de vez em quando, vou aparecer por aqui para trazer mulheres fantásticas das artes cênicas no Brasil. Afinal, esse é mínimo que se espera de uma coluna de teatro não é mesmo? Mostrar a força da mulher artista brasileira. Engrandecer e exaltar as mulheres empreendedoras no cenário artístico brasileiro é mais que fundamental para darmos continuidade ao processo de reparação histórica que estamos vivendo. Não se esqueça minha querida, que, ao alavancar outras mulheres, você está alavancando a si mesma. É simples assim, e isso não sou eu que estou falando, e sim a matemática da vida. O que você deseja para o outro, é para si que está desejando e criando esta realidade para sua vida. Logo, tenha em mente a importância de aplaudir mulheres em suas conquistas, ainda que aparentemente pequenas, e acolhê-las em momentos de imensos desafios. É assim que se ganha. Juntas!
Mulheres artistas e sua força realizadora.
Sendo assim, eu, com meu eterno temperamento inconformado com a sublimação à qual nós mulheres ainda somos submetidas, quando me deparo com mulheres que fazem acontecer, faço questão de trazer para a revista, com o intuito de inspirar mulheres, e assim, aproveito para reforçar que a entrevista de hoje é com uma Companhia de teatro de mulheres do Rio de Janeiro. Conheci essas atrizes fantásticas no Festival de Teatro de Curitiba, que terminou dia 06. É nessa egrégora, na força e na empatia por outras mulheres que fortalecemos a causa feminina. Não há outro jeito.
Que abram as cortinas!
A primeira parte da entrevista é com a Cíntia Travassos, diretora da companhia.
Mais minha do que nunca- Cíntia, conta para a gente o que significa a palavra Panambi, qual sua origem, e porque você resolveu chamar a sua Companhia de AS PANAMBIS.
Cíntia- Quando eu estava procurando um nome para a Companhia, lembrei de uma amiga da escola, que a mãe tinha colocado o nome dela assim por conta do seu significado, que é BORBOLETA. Porém, eu fui mais a fundo pesquisar seu significado, e dentre as diversas denominações encontrei uma que me encantou, que é O VALE DAS BORBOLETAS AZUIS. Então, eu achei lindo porque borboleta é o arquétipo da transformação, e eu como atriz, enxergo a arte exatamente assim, como um instrumento de transformação da vida das pessoas. Até porque nosso foco é a cultura popular e difundi-la através da dança, da música, das intervenções artísticas e até mesmo da gastronomia. Foi assim que surgiu o nome da nossa Cia.
Mais minha do que nunca – Da Gastronomia? Que Interessante! Conta mais para a gente sobre essa junção da arte com a gastronomia. Ou melhor, a gastronomia também é uma arte né? Então, conta como vocês estão emaranhando uma na outra?
Cíntia- Foi por isso que eu resolvi colocar AS PANAMBIS de Cultura Popular, porém, logo depois eu decidi aumentar mais ainda o nome e ficou AS PANANBIS DE CULTURA POPULAR E QUITUTES, pela razão de que também trabalhamos com serviço de catering para shows, feiras de gastronomia e eu também sou oficineira de comida nordestina, num projeto chamado OLHAR NORDESTINO.
Mais minha do que Nunca- E quando surgiu a Companhia?
Cíntia-Em 2013, eu fazia um curso de culturas brasileiras com Juliana Manhani, na escola Sesc do Rio de Janeiro, e quando finalizou o curso, eu fiquei querendo mais e convidei algumas colegas na época para formar um grupo de pesquisa de cultura popular. Hoje o grupo é formado por outras meninas. E o objetivo era mesmo criar um grupo de mulheres. Alguns meninos até chegaram a ir, mas não se adaptaram, o objetivo acabou se cumprindo, e o grupo foi mesmo formado somente por mulheres. Mas, a ideia era mesmo ser um grupo de pesquisas. Nunca tínhamos pensado em participar de festivais de teatro pelo país.
Mais minha do que Nunca- E como foi que vocês começaram a rodar o país?
Cíntia- Foi através de um edital de gastronomia. Uma amiga comentou sobre esse edital e como eu trabalhava com isso, ela sugeriu que eu me inscrevesse, e aí foram aparecendo as mulheres que estão na formação original do grupo. Elas eram de outros grupos, mas a arte e a gastronomia nos uniu.
Mais minha do que Nunca- Mas me conta, porque a cultura popular, e porque a cultura popular feita por mulheres. Fala dessa força da mulher dentro da cultura popular, e como foi que você sentiu o chamado para unir mulheres pela causa da cultura popular?
Cíntia- Veio das referências que desde criança eu já tenho. Cresci ouvindo Dona Ivone Lara, Clara Nunes. Então, as minhas referências são muito fortes por conta das mulheres da família, principalmente da minha mãe. Tanto é que no espetáculo tem uma música que faz referência à figura da mãe. Portanto, minha vida foi toda pautada por figuras femininas, e aí eu incorporei isso ao que eu gosto de fazer.
Mais minha do que nunca- A figura da mulher na cultura popular também está muito ligada à espiritualidade né? À terra…..enfim, isso também foi para você uma alavanca de propulsão para mergulhar fundo na figura da mulher na cia?
Cíntia- Com certeza. Eu sou espírita, umbandista, então, claro que isso acabou me puxando sim, porque também faz parte da cultura popular, da herança cultural do Brasil, e da ancestralidade. Eu acho muito importante a espiritualidade estar presente na arte. E isso vem de cultura familiar ancestral, já tenho isso na minha vida, vem da minha mãe, e da minha vó, que era também da Umbanda. Está na minha identidade, logo, eu quis dar seguimento a esse ensinamento, e fiz essa junção de arte, gastronomia e espiritualidade.
Leitoras maravilhosas, essa primeira parte da entrevista foi linda não é mesmo? Percebem como a arte é inerente à vida e como a criatividade é parte da natureza humana? Quanta coisa num só espetáculo né? E olha, eu sou a prova viva de que a comida está presente nesse espetáculo. Elas servem cocada ao público, no meio da peça. A interatividade do espetáculo nos reporta para a casa da nossa avó. O espetáculo tem essa energia de comida feita pela mãe sabe? É espetacular.
Agora vamos conversar com a Zany Nascimento. Ela é atriz e também empreendedora dentro da Cia e vai contar para a gente como foi que ela se viu “obrigada” a empreender e quais os percalços e desafios encontrados por ser mulher e atriz.
Mais minha do que Nunca- Zany, por favor, conta para a gente como você vê o empreendedorismo feminino no Brasil. E como é ser empreendedora, artista e mulher. São várias camadas né? Fala um pouquinho sobre isso…
Zany- Eu vou te contar de que maneira eu empreendo tá? Sou coordenadora do Maracatu, Chamado “Tambores do Iguassú”, de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro. Sou sócia numa pequena produtora, que tem um pouco mais de dois anos. E participo das Panambis onde eu também ajudo na realização e viabilização dos projetos. Não é fácil você se lançar no universo do empreendedorismo, porque o mercado cultural também tem bastante restrições à mulher. Encontramos essas limitações dentro da cultura popular, porém dentro desse contexto, não vejo nem como machismo. É tradição, e se você se aprofundar nos estudos da cultura popular você percebe que tudo tem um fundamento e isso acabou se perpetuando no mundo da cultura popular e quando começa a observar , percebe que os cantadores são homens, os coordenadores dos grupos de Maracatu são homens, embora a grande figura, a matriarca em todo o maracatu nação sempre é uma mulher, mas quem comanda, normalmente, é um homem.
Mais minha do que nunca- E você tinha a pretensão de começar a empreender ou foi uma necessidade?
Zany- Não, eu não tinha essa intenção, mas entrei em um grupo de maracatu de Nova Iguaçu chamado Baque da Mata, saí de lá e fui para um outro grupo, onde fiquei 5 anos, mas aí veio a pandemia e eu fiquei sem grupo. No pós pandemia, um amigo que já sabia que eu era do maracatu estava montando um projeto de cultura nordestina onde tinha várias oficinas de cultura nordestina e ele me chamou para dar aula, porque eu também dou aulas de dança maracatu. E eu chamei um amigo para dar a parte de percussão e o projeto foi muito bem sucedido. E aí nasceu a ideia de montar o Maracatu.
Mais minha do que Nunca- E como aconteceu?
Zany- Minha filha, que é artista plástica também estava nesse projeto, e aí, numa reunião, conversando, ela me incentivou a ter o meu próprio maracatu, porém eu achei inviável, não via como isso poderia acontecer. Mas a ideia foi florindo e eu entendi que era um chamado. Encarei e hoje eu coordeno esse projeto e dou aula de dança. Mas, é muito pesado porque nós não temos incentivo particular, ou seja, verba, por isso fazemos “na raça”, então, tenho que fazer tudo. Além de correr atrás de editais por exemplo, tenho que fazer contatos, que em muitos momentos salva a gente. Por exemplo, no segundo cortejo de carnaval desse ano, nós só conseguimos desfilar no centro da cidade por causa desses contatos, pois na hora de sair a guarda municipal não queria deixar a gente sair porque tinha um carro de som, para quem eu já tinha pedido autorização, mas aí um secretário de segurança acabou liberando. Então, eu te confesso, que eu acredito, que em alguns momentos, por ser mulher, facilita um pouco. E acho que algumas pessoas tem uma tendência a ser mais condescendente comigo por eu ser mulher. Isso pode ser visto como machismo, contudo, acho mais inteligente usar isso a meu favor, e a favor dos meus projetos, do que bater de frente e morrer na praia. Machismo a gente reverte sendo inteligente. Por exemplo, quando eu sou tratada como a coitadinha que não sabe o que tá fazendo, eu faço de conta que sou mesmo para conseguir o que eu preciso e deixo a pessoa pensar o que que ela quiser. Eu deixo os homens pensarem que estão mandando e enquanto isso eu vou realizando meus objetivos.
Mais minha do que nunca- Para finalizar, você lembra de alguma situação em que você sentiu subestimada por um homem que quis te podar quando você estava numa posição de comando?
Zany- Sim, já passei por isso. No ano passado eu tive problemas dentro do Maracatu que eu coordeno, onde um rapaz entrou e começou a querer dizer como eu deveria conduzir o projeto. E ele nunca perdia a oportunidade de agir assim. Em qualquer lugar, até em mesa de bar. Até o dia que eu me impus, e disse que as ideias dele eram legais, mas não era o momento, porque estávamos começando e precisávamos ir aos poucos. Ele queria trazer pessoas de Pernambuco para participar do projeto, e é claro que seria maravilhoso, entretanto é preciso verba para isso. Já tínhamos conseguido muitas coisas através de edital, como os uniformes. E eu tentei explicar isso para ele, que me olhou e disse: “Se você continuar fazendo as coisas desse jeito, o tambor não vai passar de dez pessoas nunca”, e foi quando eu argumentei que preferia dez pessoas comprometidas com o grupo e entendendo a proposta, do que encher de gente e não existir comprometimento. Sabe que ele nunca mais apareceu?
Mais Minha do que Nunca- Mas você já passou por alguma situação em que você se sentiu sem forças?
Zany– Sim, e essa foi mais pesada, por que o cara minou as minhas forças e eu fiquei um bom tempo tendo crises de ansiedade física quando eu ia para o ensaio. E eu tinha também outras coisas acontecendo na minha vida também. Ele e a mãe dele era membros, e a princípio parecia tudo bem, tanto é que eu queria que a mãe dele fosse a nossa rainha. Até que nós fomos para Macaé, e quando chegamos lá, ao invés de irem todos procurar o produtor do evento para começarmos a organizar a apresentação, todos debandaram e foram passear. E isso aconteceu por duas vezes. Quando teve a reunião do grupo, que inclusive aconteceu na Van, eu conversei com todos, não apenas com ele. Mas, depois disso, tudo que eu falava ele rebatia, ia contra. A ciência explica que quando uma pessoa lança uma ideia e outra apresenta uma ideia oposta, a maioria das pessoas apoia a segunda ideia. Ele foi minando tudo que eu falava. Inclusive cheguei a deixar de fazer uma calça do jeito que eu queria porque ele falou tanto que todos acabaram concordando com ele, e eu acabei cedendo. Mas, deu tudo errado e a maioria das calças ficaram horrorosas. E o rapaz teimou que não tocaria com aquela calça. Eu disse ok, então você não vai tocar. Acontece que isso deu uma repercussão negativa para mim dentro do grupo porque ele reverteu a situação a favor dele e eu virei a megera, porque eu me impus e falei com firmeza com ele. E a prova de que ele estava mesmo virando o jogo a favor dele é que no ano anterior, as pessoas levaram até presentes personalizados para mim. Canecas do maracatu e tudo mais. Isso mexeu muito comigo. E eu tenho certeza que se eu fosse um homem ele não falaria comigo daquele modo. Nem mesmo se tivesse um homem junto comigo, no comando, ele não agiria assim. E complica mais quando algumas situações acontecem né? Por exemplo, tem rapaz que trabalha comigo e não se posiciona quando precisa e é responsabilidade dele, então eu tenho que resolver as coisas, e isso passa uma impressão errada para as pessoas.
E aí meninas? Chegamos ao fim de primeira de muitas entrevistas que ainda teremos nessa coluna. Incrível a entrevista né? Deu para a gente traçar um panorama de como as coisas acontecem para nós mulheres. E, ao mesmo tempo, nos estimula a confiar na gente mesma né? Porque se tem gente incomodada é porque você tá no caminho certo, e brilhando. É isso que incomoda os incompetentes e fracassados na vida.
Portanto, nunca deixe confiar em si mesma. NUNCA, em hipótese alguma. E se alguém disser o contrário entenda: é a opinião DA PESSOA e não sua. Ademais, se ela tá preocupada com a sua vida, pode ter uma certeza: a vida dela é uma grande porcaria e ela não tem a coragem que você tem, porque o que gente de sucesso menos faz é julgar e criticar a vida alheia. Pessoas felizes estão focadas na sua própria evolução e crescimento pessoal.
Não esqueça disso.
Até a próxima.
Beijos teatrais.
Alíne.