O Cinema brasileiro realizado pelas lentes das mulheres negras.
Por Vanessa Cançado.
– Vai Som, Vai Câmera. Ação!
Olá Amoras (es), vamos refletir: Quantos filmes nacionais vocês assistem no ano? E desses filmes quantos são dirigidos por mulheres? E dessas mulheres quantas são negras? Você conhece as cineastas negras brasileiras? E quem é de cinema, quantas mulheres negras compõem seus sets e quantas em cargo de liderança?
Essas questões rondam a urgência de racializar mais por detrás das telas. Se pensarmos que até pouco tempo atrás (2016), não aparecia nenhum filme dirigido por mulheres negras na lista de longas-metragens comercializados no Brasil daquele ano. Os números falam por si só: 97% dos filmes eram de pessoas brancas, sendo mais de 75% realizado por homens. E dos filmes dirigidos por mulheres, todas eram brancas.
De lá pra cá o que mudou, a quantas anda a representatividade de mulheres negras que trabalham nas equipes de cinema e que fazem o nosso audiovisual? Isso não significa não existência, pelo contrário, há muitas que fazem nosso cinema e que contribuem para narrativas consistentes.
E é sobre essas mulheres de cinema que dirijo o olhar, sobre a filmografia de algumas delas e, certamente, esquecerei alguma ou mesmo desconheça. Não conheço todas, já citei diversas vezes algumas em outros textos na coluna, são mulheres com destaque em suas trajetórias, que realizam um cinema contemporâneo forte, engajado que merece ser celebrado.
GLENDA NICÁCIO é um nome forte dessa contemporaneidade de diretoras que dão a voz para narrativas de mulheres negras. Além de ser diretora, também é atriz e diretora de arte. Seu primeiro filme a se destacar foi “Café com Canela”(2017) e que pode ser conferido na plataforma Globoplay. O filme trata de forma sensível o tema do luto materno. Ainda em sua filmografia: “Até o Fim”(2020); “Na Rédea Curta”(2022) e “Mugunzá”(2022).
GRACE PASSÔ é atriz, roteirista, dramaturga e showrunner brasileira. De Belo Horizonte, desponta primeiro no teatro e depois no audiovisual brasileiro. Como atriz atuou nas séries “Boca a Boca” da Netflix; “Sob Pressão” e “Onde Está Meu Coração”, ambas da Globoplay. No cinema como roteirista e diretora se destaca com o média-metragem “Vaga Carne”(2019); e ainda com “Falas de Orgulho apresenta Histórias (Im)Possiveis”(2023) e o curta premiado e realizado durante a pandemia de Covid, “Republica”.
LILIAN SANTIAGO é documentarista, pesquisadora e roteirista que celebra a mulher negra brasileira e é uma voz importante no audiovisual contemporâneo. Tem em sua filmografia: “Balé de Pé no Chão”(2005); “Familia Alcântara”(2006). Esse último documentário, é um filme sobre uma família com origem no Congo e que é trazida para o Brasil e que utiliza da oralidade e da prática para preservar as tradições e costumes africanos. Lilian foi a primeira mulher negra a lançar um filme no circuito comercial, durante período da retomada do cinema brasileiro.
VIVIANE FERREIRA, da periferia de Salvador para o mundo. É roteirista, diretora, produtora e grande ativista dos movimentos de mulheres negras. Foi a segunda cineasta a dirigir um longa-metragem no Brasil – “Um dia com Jerusa”(2020), que trata sobre o encontro de duas gerações de mulheres negras, protagonizado por Léa Garcia e Débora Marçal. Viviane é uma das fundadoras da APAN (Associação de Profissionais do Audiovisual Negro) e da qual foi presidente em 2017. Em sua filmografia: Dirigiu e roteirizou “Ó Pai, Ó 2”(2022); o curta que deu origem aos seu primeiro longa “O Dia de Jerusa”(2014); os documentários “Peregrinação”(2014), “Festa da Mãe Negra”(2009) e “Dê Sua Idéia, Debata”(2008).
EDILEUZA PENHA DE SOUZA, é uma documentarista e historiadora capixaba que ganhou o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro em 2020 e o Festival É Tudo Verdade, com seu curta-metragem “Filhas de Lavadeira”(2019). Tem em sua filmografia: “As Mulheres de Barro”(2014), premiado no Festival de Avanca em Portugal e o recente “Vão das Almas”(2023).
Outras tantas mulheres negras do cinema brasileiro se destacam e não posso deixar de citar:
LARISSA FULANA DE TAL, cineasta baiana que dirigiu o curta “Cinzas”(2015) e que luta contra a estereotipação dos corpos negros. SABRINA FIDALGO que já citei em outros artigos (“Black Berlim”, 2009; “Rio Encantado”, 2014; “Rainha”, 2016; “Alfazema”, 2019 e “Time to Change”, 2022). YASMIN THAYNÁ (“Kbela”, 2015; “Virginia e Adelaide”, 2023 em que trata da vida e obra de Virginia Leone Bicudo, uma socióloga e psicanalista negra brasileira. É também roteirista da série “Amar é Para os Fortes”, 2023 e dirigiu “Toda Familia Tem”, 2024 na plataforma Amazon Prime). CAMILA DE MORAES (o curta “A Escrita de Seu Corpo” e o longa documentário “O Caso do Homem Errado”, 2018). KEILA SANKOFA (“Travessia” e a série “Residuo”). RENATA MARTINS (uma das criadoras de “Falas de Orgulho Apresenta Histórias (Im)Possíveis, 2023 e foi roteirista colaboradora da série “Malhação” na globo). DAY RODRIGUES (diretora dos curtas “Mulheres Negras”, 2016; “Para Costurar Folhas Secas”, 2017; dirigiu a série “Quebrando Tabu”, 2018). EVERLANE MORAES, é documentarista potente que tem em sua filmografia “O Navio e o Mar”, 2020; “Aurora”, 2018; “El Reflejo”, 2016; “Conflitos e Abismos: A Expressão da Condição Humana” e o mais recente “A Gente Acaba Aqui”, 2021.
Todas essas mulheres de cinema, merecem ser muito celebradas, além de contribuírem imensamente para nosso cinema com narrativas potentes e compostas de personagens múltiplas e cheias de memória e resgate, saindo da curva da mesmice, rompendo a bolha do eurocentrismo brasileiro.
Até a próxima cena!
Abraço Afetuoso,
Vanessa.
Cine-Recorte: Minhas dicas hoje são os filmes:
“Rainha” de SABRINA FIDALGO.
“A Gente Acaba Aqui” de EVERLANE MORAES.
Ambos os filmes podem ser vistos gratuitamente na plataforma da distribuidora Embaúba – o Embauba Play. E aproveitem e confiram outros filmes que tem por lá.