A desobediência como forma não aceitação de um destino socialmente imposto.
Por Alíne Valencio.
Lísistrata:
“Cedam então, mas não se mexam, não colaborem, sejam cadáveres frios diante da potência e da preponderância! Eles tem pouco prazer quando sentem que não colaboramos! Sobretudo se nossas mãos permanecerem inertes, eles logo se cansarão da brincadeira! No amor as mãos são preciosas”. ( Lístrata, de Aristófanes pág. 10.)
Deusa,
Nessa sexta feira que antecede o natal, que é uma data cuja conotação religiosa e mercantil muitas vezes nos leva a desaprender alguns fatos importantes, como a importância da luta e da resistência feminina ao longo da história da humanidade, eu faço questão de rememorar essa batalha milenar, como forma de combater o esquecimento e usurpação da subjetividade da mulher. Em especial da mulher, porque nós, enquanto mulheres vivemos na pele toda castração da nossa condição ainda em 2024, e sabemos que essa extorsão da nossa alma e principalmente dos nossos corpos, é resultado de um contexto histórico de obediência e subserviência.
A luta histórica da mulher está retratada e registrada em livros e obras. Inclusive a arte é uma das formas mais potentes e transformadoras de mudar conceitos e paradigmas enraizados e não é de hoje que encontramos materiais riquíssimos e que se tornaram legados fundamentais para a transformação social. E eu, como atriz, mulher e feminista, não poderia deixar de estampar aqui justamente nessa época do ano, uma das criações literárias mais importantes da história do teatro mundial, e que endossa definitivamente o poder pessoal feminino e sua capacidade de levar o mundo às maiores mudanças sociais.
Dessa forma, eu escolhi uma obra da literatura grega, aliás, uma das maiores obras gregas da dramaturgia mundial: Lisístrata. A peça é uma comédia, escrita pelo maior representante da comédia antiga grega, Aristófanes (445 a.c – 385 a.c) A peça foi escrita em 411 a.c, e no meu ponto de vista, é uma das maiores obras literárias que fomentam o protagonismo feminino. Lisístrata é a personagem principal do enredo e é uma mulher que instiga outras mulheres a não aceitarem o que é pré-estabelecido, e ela faz isso através de uma proposta inusitada: uma greve de sexo, que tem como proposta selar a paz mundial, através do estabelecimento do fim da guerra. As mulheres estava exaustas de tanta guerra propagada por homens que só faziam se envolver em intermináveis batalhas inúteis e que em nada engrandeciam a humanidade. É lógico que Aristófanes retrata a sociedade grega da época, organizada de forma segregadora e destoante. Até porque, a sociedade grega, no que concerne aos legados que deixou para a humanidade, é a maior civilização que já existiu. Contudo, quando se trata de mulheres, eu costumo afirmar que em nada diverge das sociedades moralistas, machistas e misóginas, como a nossa, até hoje.
Lisístrata instiga as mulheres a deixarem seus afazeres domésticos e tomarem a Acrópole com o objetivo de retomar o poder afim de reorganizar a sociedade e instaurar a paz. Musa, entenda-se que a tomada do poder está diretamente ligada ao entendimento de poder interior que mora em cada uma de nós. Ou seja, a peça é uma metáfora sobre a importância de as mulheres acreditarem no poder que temos de transformar a sociedade a partir do resgate do nosso poder pessoal, e do reconhecimento do nosso valor intelectual e da necessidade de uma profunda mudança de paradigmas acerca do feminino e da sexualidade da mulher. Pois bem, greve instaurada, mulheres reunidas no coreto da praça da cidade, e as casas “abandonadas” do ponto de vista dos homens, institui-se uma verdadeira guerra dos sexos, uma vez que os homens não aceitam serem comandados pelas mulheres que agora ditavam as regras, já que sem suas esposas obedientes e sem sexo, eles se sentem ameaçados não só na sua condição viril e na sua masculinidade, como também em toda a estrutura social consolidada. Dessa forma, eles partem para cima delas, elas resistem e passam a orientar a maneira como a paz deve ser instaurada.
Mas, o que é mais primoroso e gratificante na obra é a maneira como a capacidade intelectual das mulheres e a nossa habilidade e inteligência para os negócios, é exaltada por Aristófanes. A cada cena fica claro como os homens agem como verdadeiros ingênuos e elas mostram como são frágeis e apatetadas cada estratégia que eles adotam para guerrear. E quanto mais elas se mostram sábias e estrategistas, mais eles se enfurecem e usam a violência (nada mais óbvio né minhas deusas, é o único repertório que alguns são capazes de usar) e mais eles se sentem lesados na sua virilidade.
Lisístrata se encontra num contraponto, de um lado ela precisa lidar com a fúria masculina se voltando contra ela, e de outro a tarefa árdua de desconstruir as crenças de obediência e o comportamento subserviente de suas colegas. Lisístrata enfatiza para todas a importância da união feminina para a causa, afim de que seus valores sejam consolidados e a transformação da sociedade seja concretizada pelas mãos das mulheres e através do seu comando, caso contrário a paz mundial estaria fadada a não terminar nunca. Impressionante como Lisístrata adivinhou o futuro né? Até hoje há guerra no mundo, como essa entre Rússia e Israel. E não há uma mulher na guerra, pelo menos eu não ouvi falar. A não ser aquelas que foram vítimas dela, como as mulheres, que, ou perderam seus filhos, ou perderam a vida. Quer dizer, a mentalidade masculina ainda continua tão primitiva e arcaica que eles ainda se mantém agindo da mesma maneira desde o milênio passado, quando ainda creem na guerra como a única possibilidade de tomada de poder. Na verdade, sabemos que essa guerra não é por tomada de território, mas sim um embate de egos masculinos. Uma disputa por virilidade, nada mais. Lamentável né?
Musa maravilhosa, eu quis citar essa peça para buscar te inspirar a compreender de uma vez por todas que quando uma mulher se conscientiza da sua força interior e resgata esse poder interno como forma de libertação, sim, uma mulher, e só uma mulher é capaz de mudar o mundo. Imagine você, somos capazes de fazer uma guerra acabar. Você tem noção do nosso poder? E o mais lindo, é que nós mulheres somos artífices em fazer isso sem levantar uma arma sequer, sem usar absolutamente nenhum instrumento de violência. Quem mais, além de nós tem essa capacidade? E mais, está conosco a arma mais poderosa que já existiu na terra: o sexo. E não, não estou incentivando a usá-lo como moeda de troca. Mas, é um fato que somos nós que escolhemos como, quando e com quem queremos ter relações, Se uma mulher disser não a um homem, pronto. É não, e ele nada pode fazer com relação a isso. A não ser se valer da violência. Que é o que acontece ainda hoje, porém é justamente essa impotência masculina diante do nosso poder, que é determinante para o fortalecimento da violência.
A violência contra a mulher nada mais é, do que uma imensa luta interna dos homens contra a impotência deles diante da grandiosidade feminina. Não há como competir com isso, logo, a maneira mais destruidora de lidar com tal fato, é usar as armas que eles tem: a força física, porque nada, nem ninguém pode com a capacidade intelectual e a inteligência feminina. Isso irrita MUITO. E aproveitando, para incrementar ainda mais tudo isso que estou te dizendo, é fácil concluir que a força física utilizada pelos homens é um reflexo elementar de que eles , ou melhor, aqueles que comentem violência, se acham inferiores diante de uma mulher, e lidar com isso eles não dão conta não, precisam nos punir por isso. Daí a violência. Isso implica em dizer, numa lógica reichiana, que a sexualidade mal resolvida desses homens é que os levam a encontrar na guerra uma forma de suprir necessidades internas. Ou seja, se as pessoas tivessem sua sexualidade bem resolvida a paz mundial seria uma realidade e não uma utopia.
Portanto, olhe para dentro de você e entenda definitivamente seu poder enquanto mulher e tome para si essa natureza linda que nos foi dada de presente por Deus e honre a ELE indo à potência máxima da sua verdade. É isso que Deus espera de você. Nada menos que isso.
Um beijo com amor,
Alíne Valencio.