A Igreja inventou o demônio que você acredita.
Por Cigana Carmem.
“……Pode-se notar que estes demônios são como consequências nefastas de nossos atos nocivos, eles são de algum modo os “carrascos” que inflingem castigos ao homem, para fazê-lo retornar a consciência: A ignorância é o primeiro carrasco, o segundo é a tristeza, o terceiro é a incontinência, o quarto a concupiscência, o quinto a injustiça, o sexto a cupidez, o sétimo a mistificação, o oitavo a inveja, o nono a fraude, o décimo a cólera, o décimo primeiro a precipitação, o décimo segundo a maldade”. (Evangelho de Maria Madalena, pg 105).
Minha querida leitora,
Hoje começo dando as boas vindas às novas leitoras da revista. Sejam bem vindas. Espero que amem essa coluna da mesma maneira que eu amo vocês. O objetivo aqui é te inspirar a questionar as coisas por si mesma, e não a partir de premissas alheias, e por isso, muitas vezes você irá encontrar aqui críticas bastante severas às religiões cristãs, porque delas é que aprendemos os equívocos propositais que nos levam à culpas, medos e julgamentos.
Principalmente à nós mesmas. Ou seja, elas manipulam nosso inconsciente e nossa subjetividade para que passemos a cultivar comportamentos nocivos contra nós mesmas e nos fazem acreditar num demônio que está fora de nós, sendo que ao contrário, ele é cultivado dentro de nós, por meio dos nossos pensamentos, comportamentos e objetivos. E esse é o maior abuso que se pode cometer contra uma pessoa.
Minha querida, você tem medo do demônio? Então você tem medo de si mesma. Exatamente o que você leu. Ele mora dentro de você. Cada vez que você se mantém na ignorância, e eu me refiro à dois tipos de ignorância. A primeira é a ignorância da falta de conhecimento intelectual, então a falta de cultura é sim nosso primeiro demônio. Sabe porquê? Porque quando você não cultua o hábito da leitura você vive no obscurantismo. E isso é avassaladoramente perigoso, pois uma vez que a leitura nos liberta dos grilhões mentais que nos aprisionam na ignorância que nos faz acreditar em qualquer coisa que nos dizem, nos sujeitamos à um cárcere da alma.
A segunda forma de ignorância é aquela em julgamos o outro por conta da forma como vive ou deixa de viver. Cada vez que você julga alguém você julga a si mesma, e aí você está acionando e se conectando com o demônio que mora em você. Você já parou para pensar que a maneira que a igreja nos apresenta o “demônio” é como se estivessem se referindo à crianças que tem medo do “homem do saco”. E é claro que colocando as coisas nesses termos se configura até risível não é mesmo? Ninguém chega e diz: “Olha, se você não seguir os preceitos de Deus, o homem do saco vem te pegar”, porque adultos conseguem perceber que é uma metáfora, uma maneira de coação de uma forma racional. Porém, manipuladores e abusadores emocionais não trabalham com razão, e sim com subjetividade e emoções. Logo, é claro que você não se dá conta de que é a mesma maneira de tratamento, porque não é racional.
A moral cristã nos ensina que se “pecarmos” não iremos para o reino dos céus. Ou que um dia Deus voltará para JULGAR os vivos e os mortos. Minha querida, esse conceito deriva dos humanos e não de Deus. Ele não julga, en nem julgará ninguém. Ao contrário, ele será misericordioso oferecendo a oportunidade para que optemos por mudar nossos maus hábitos. Se não quisermos, Deus não nos julgará porque sabe que quem sofrerá as consequências somos nós mesmas e nem ele poderá fazer o que quer que seja a esse respeito, salvo estar sempre ali para nos acolher. Diante desse fato, porque haveria ele de julgar a quem quer que seja?
Da mesma maneira agiu Jesus quando aqui esteve. Não vou me repetir porque já discorri sobre isso em outra matéria. Mas, o que preciso enfatizar é que essa definição de que Deus virá julgar os vivos e os mortos é uma concepção egóica humana. Você compreende isso?
Repare que tais idealizações são uma forma infantil de lidar com adultos, mas é irracional, e por isso imperceptível. Contudo, o que no fundo querem nos dizer é que se não obedecermos à igreja, um homem mal (que é Deus, porque nos pune) virá nos “pegar”, ou nos julgar porque fizemos isto ou aquilo. Você consegue perceber que nisso existe a premissa da auto culpa, da auto punição e auto crítica? E que essas ideias impactam negativamente uma vida inteira?
Com isso crescemos treinando nossa mente a cultivar e programar pensamentos nefastos a todo momento a NOSSO RESPEITO, e por consequência a respeito dos outros e do mundo, passando a agir sob a perspectiva que nos foi impressa mental, emocional e espiritualmente. Dessa forma, o maior vilão vem como protagonista: o ego. A todo instante quando julgamos o outro estamos indo na contra mão dos ensinamentos divinos porque agimos com prepotência ao esperar ou exigir que os outros vivam da maneira que nós acreditamos ser melhor. Isso nos causa demônios internos que nos cegam, porque nos conduzem a viver a vida mirando o que está fora de nós, mas alimentando os demônios dentro de nós.
Por isso, não existe demônio de verdade tá? Demônio nada mais é do que as consequências das nossas más escolhas e dos nossos maus hábitos. Mas, sobretudo a teimosia em querer se manter com eles. E onde são criados nossos maus hábitos e nossas más escolhas? Na mente, que nos leva a sentir e agir da mesma maneira. E toda atitude gera um resultado. Se o plantio foi nocivo, a colheita também será. E ninguém mais é responsável por isso a não ser você mesma. E quando intentamos culpabilizar o outro pelas nossas atitudes, o demônio interno em nós gera karmas tão profundos que às vezes é preciso muitas e muitas vidas para reparar esses erros.
O meu objetivo com essa conversa, minha querida, é te instigar a questionar o que te ensinaram acerca de “Deus e Demônio”, como verdade, e encontrar a sua ideia a respeito, independente das cartilhas religiosas. Ora, se Deus vive dentro de você e a escolha por mantê-lo vivo dentro de ti é sua, porque com o demônio seria diferente? Da mesma maneira que escolhemos vivenciar o amor, o perdão, a compaixão e toda espécie de sentimentos nobres, também escolhemos alimentar a inveja, a cólera, a maldade (demônios). O que eu intento com esse bate papo é constatar que na verdade, quando incutem na nossa mente a ideia de Deus e Diabo, é sempre de uma forma punitiva e não a partir da compreensão de que estamos aqui para aprender e que Deus não é carrasco, nem tampouco o Diabo, já que nós escolhemos estar com ele quando nos comportamos com ego e toda consequência dele na nossa vida.
O mais assustador é que somos adestrados a agir como nossos próprios carrascos, criando uma auto imagem negativa sobre nós mesmas quando cometemos algum “delito”. Essa é a grande teia na qual nos envolvem, e nos estimulam a ficar, de todo o jeito. E quando nos atrevemos a querer “fazer diferente”, somos punidos, mas não é por Deus. É pela igreja e pela sociedade, que propositalmente nos faz acreditar que é Deus que irá nos punir. Isso quer dizer que invertem os conceitos divinos para justificar a premissa da obediência aos fundamentos religiosos.
Então, tenha em mente que demônio de verdade só existe quando o criamos para nós, a partir do momento que nos abandonamos para seguir princípios sem sentido para nossa alma. Criamos o demônio que vive em nós quando nos afastamos da nossa verdade para atendermos expectativas alheias e nos tornamos tristes, que é o segundo demônio. Quando nos violentamos nos colocando em situações que nos ferem estamos criando demônios. Os demônios vem do ego, que teima em reclamar, em julgar, em se vitimizar, querer que as coisas sejam do jeito que queremos e não como são.
Enfim, está na hora de pararmos de delegar a terceiros, mesmo que seja Deus, a responsabilidade sobre nossas escolhas. Temos o livre arbítrio e fazemos da nossa vida o que bem entendermos, porém, o que não dá é para plantarmos negatividades e querermos colher bênçãos. E pior, se comportar como vítima da vida por conta das consequências das nossas escolhas. Quando passamos a ter coragem de assumir nossas vidas por completo aí sim espantamos os demônios para longe. Não é o padre, nem o pastor, nem mesmo Deus que fará isso por você. É só você. E não confie em quem te disser o contrário e quiser impor à você uma verdade que não faz sentido para ti, ainda que seja um sacerdote. E eu desejo que você tenha coragem de seguir firme e íntegra em seus valores mesmo diante do julgamento alheio. Não crie demônios para você e deixe os outros que carreguem o que criaram para si.
Um afago,
Cigana Carmem.