Criança precisa de mãe. De pai não!
Por Alíne Valencio.
Olá minha amiga deusa, maravilhosa. Leitora leal. Amada. Chegamos ao fim das matérias sobre o corpo feminino nos contos de fadas e seu aniquilamento ao longo dos séculos. Deixei esse trecho por último porque ele vem comprovar todo o discurso dos outros textos que produzi a esse respeito aqui nessa coluna. Todos os questionamentos que eu trouxe aqui, foram voltados para a ideia de desbancar a postura masculina sobre o corpo feminino. E, nessas últimas linhas, espero que esse objetivo seja atingido, não para proclamar a guerra dos sexos, mas sim para empoderar mulheres, e desenvolver nelas senso crítico e amor próprio, a ponto de pararem de tolerar e engolir essas histórias, bem como todo tipo de comportamento inadequado de homens que vivem ao redor delas.
Então vamos lá. Preparadas? Ótimo! Todos os homens do conto da Branca de Neve são omissos, covardes, aproveitadores. A começar pelo rei, pai da Branca de Neve, que não assume seus deveres de pai, buscando imediatamente outra “mãe” para a princesa e delegando a criação dela a uma desconhecida, sem observar o que estava acontecendo. Afinal, uma criança “precisa de uma mãe”. De pai não. Ou seja, um homem totalmente omisso e displicente. Algum paralelo com a realidade de 2024? Isso reforça a doutrina inconsciente e machista de que a responsabilidade sobre os filhos é da mulher. Inferimos, com isto, que neste contexto machista, o homem já fez o suficiente ao colocar a menina no mundo. Como se isso fosse muito. E tem mais: justamente o fato de ser uma menina, implica ainda mais os cuidados de uma mãe. Isso é o que diria um machista.
O caçador, não mata Branca de Neve, mas é um covarde que tampouco a ajuda de fato, deixando-a à própria sorte. Ou seja, um homem cruel e pífio. Os anões, são homens adultos, que agem como crianças. Aproveitadores, e incapazes de manter sua própria casa em ordem e se valem da força de trabalho da Branca de Neve, por quem, claramente, nutrem uma paixonite, deflagrando aí, inclusive, outra situação extremamente delicada: assédio. Branca de Neve, é entre maternal e coquete com os anões, e fica implícita uma relação de cortejamento de 7 homens adultos para com uma adolescente. Ou seja, hoje em dia configuraria, pedofilia. Você consegue abranger que mensagem está sendo transmitida para uma menina minha amiga? De que é normal uma menina, adolescente, ser cortejada por 7 homens adultos. Logo, está se banalizando a pedofilia e criando no inconsciente coletivo dessa garota que ela deve permitir que isso aconteça, uma vez que é assim que “a banda toca” na sociedade e ela está ali apenas para servir.
O príncipe, um ignóbil, inútil, que tem por única função admirar Branca de Neve, e querê-la como esposa. Dizer que a ama, aceitá-la, e assumi-la é o único pré-requisito para tê-la, inclusive o autorizando a beijar o seu corpo desfalecido sem consentimento. Ou seja, mau caratismo no patriarcado vai tão fundo que um homem não respeita uma mulher nem quando está morta, se comportando como dono até do seu espírito. E quando achamos que não pode ser pior, nos enganamos redondamente, porque tal falta de grandeza imprime a autorização para a necrofilia. Vejam só! Além, de ignóbil, inútil e mau caráter, o príncipe é necrófilo. É de embrulhar o estômago não é?
E notem que apesar dos homens serem os verdadeiros vilões desta história, eles são vistos como
bonzinhos. Patético né? Raciocine comigo. O Rei, vítima do falecimento da esposa não tem
habilidade para lidar com questões caseiras, e trata de arrumar alguém para se ocupar das
responsabilidades com a própria filha, ou seja, transfere sua responsabilidade para outrem, e não tem um pingo de interesse em se ater aos detalhes, e perceber algo errado na relação da
adolescente com a madrasta, que diante dele se coloca amorosa com a menina. Além de omisso
é um incompetente. E eu diria mais: burro, porque não enxerga um palmo diante do nariz e não
tem competência para assimilar a dissimulação da madrasta.
Os “heróis”, caçador, anões e o príncipe, são assediadores, púrias e canalhas inúteis. Todos, a tratam como um objeto, ou pedaço de carne. Repararam? Todos fizeram do corpo de Branca de Neve, um capital `a serviço de seus “falos”. O pai, pelo fato de ser homem, nem sequer se interessou em aprender como se cuida de uma filha, e cumprir seu papel. De certa forma, portanto, a filha o serviu, no instante em que foi “empurrada” para outra mulher, e ele se eximiu da sua responsabilidade. O caçador, usou de seu poder “fálico” para “dar uma chance `a menina” e não matá-la. Quer dizer, ele se passou por bondoso e piedoso, quando na verdade está entre os piores vilões. Ou vocês acham que abandonar uma menina à própria sorte, no meio do mato, é atitude de homem íntegro e de boa fé?
Os sete anões, desfrutaram, falocentricamente falando, do corpo de uma adolescente, desde o
momento em que aceitaram que ela morasse ali, já a cortejando, até o momento em que, tiveram relações com ela, e também exploraram sua força de trabalho. Portanto, são criminosos e torpes, patifes e biltres. Mas, mais uma vez, a maneira como a história é contada, o arranjo das palavras e suas combinações penetram o subconsciente, que os apresenta como homens bons que acolheram uma menina em apuros. Percebe amiga? E agora, aqui, abro um parênteses, para dizer que eu, Aline, é que estou deduzindo que houve envolvimento sexual sim, entre Branca de Neve e os sete anões, porque, sinceramente? É meio óbvio né? Ainda mais se considerarmos tudo que já conversamos até aqui. Eu, inclusive já citei isso em outra matéria. Enfim, vamos continuar, porque ainda tem o safado do “príncipe encantado”, e esse, vou te contar, é o pior de todos. Um verdadeiro calhorda.
Se serviu da moça, desfalecida, que não poderia se defender ou consentir. Se isso não configura
vilania, não sei o que mais pode configurar. Vejam, a partir do momento que uma menina, criança, presencia uma história onde um homem simplesmente se “serve” de uma mulher morta e a beija, se essa menina não for muito bem amparada, certamente achará aquilo normal. Isso é uma porta aberta para o abuso sexual. E a situação fica pior por ele ser o príncipe encantado, onde é depositado todo o “sonho” feminino de futuro. Imaginem vocês o que essa pobre menina virá a tolerar na sua vida adulta em nome de um relacionamento com um possível “príncipe” encantado que apareça na sua jornada. Provavelmente, essa futura mulher vai odiar o próprio corpo, obedecendo ao sistema que nos oprime.
Resumidamente minha querida poderosa! Lendo tudo isso é impossível não associar o contexto
aviltante e abominável que se apresenta nesses contos de “fadas”, à realidade da mulher, ainda em 2024. Vemos todos os dias esse tipo de circunstâncias acontecendo à olhos vistos, onde muitos homens ainda agem exatamente como os seres do sexo masculino mostrados nesses contos. Minha intenção com toda essa abordagem é instigar você a tirar o óculos cor-de-rosa que você anda usando e encarar que enquanto nós mulheres continuarmos permitindo que assim nos tratem, essas condutas continuarão ditando regras. Minha querida companheira de jornada, eu não estou dizendo com isso que a culpa é nossa por todo esse contexto. Ao contrário! Meu intuito é despertar em você uma essência questionadora em relação à tudo que nos foi ensinado, e ir a fundo para desvendar toda a conjuntura social que nos rodeia para que você se torne livre, dona do seu nariz, e não permita que ninguém te diga o que fazer e como viver. Sem embargo amiga, isso não é possível se você continuar com uma postura passiva diante da própria vida, por que sim, estamos falando da sua vida, e por conseguinte da vida de todas nós. Afinal, somos todas uma. Dessa forma, uma atitude indiferente e inerte para com tais abordagens te torna irrevogavelmente responsável pelos ensejos na sua vida, e necessariamente na vida das outras manas, em especial das que te cercam, das manas com quem convive.
Tá, mas como fazer isso? Começando por você amiga. Encarando o fato de que muitas das
situações que se apresentam na sua vida no que concerne à vida amorosa, afetiva e sexual, se dá por conta de que você vive segundo premissas arraigadas no seu inconsciente, que te levam a agir da maneira que você age e que traz desastrosas consequências para tua vida. Musa! O que pretendo dizer é que enquanto você não encarar essa realidade, nada vai mudar na sua vida e as situações das quais você vive fugindo vão se repetir eternamente até que finalmente você se torne uma adulta de verdade e se ponha em frente ao problema, buscando as soluções.
E uma das condições para sair dessas situações limitadoras é olhar para seu histórico familiar feminino e compreender que você vem repetindo padrões ancestrais. Esse é o começo da sua libertação, mas esse também é assunto para outra matéria.
Enfim, minha amiga leitora. Deusa. Como você pode perceber, as questões que eu abordei
durante essas várias semanas aqui nessa coluna, são pertinentes, e um reflexo da realidade em
que vivemos hoje, onde nós mulheres, somos apenas um negócio que circula entre mãos
opressoras, desde o mais remoto princípio da vida.
Um beijo,
Alíne Valencio.