Desafios e Reflexões sobre a energia feminina que nos convida a ser mais livres e autênticas.
Por Daniela Jerônimo.
Minhas perfumadas,
Que bom estar de volta, como vocês estão?
Hoje dou espaço para quem vem antes de mim, porque quando falo de Pomba Gira, eu falo através dela. E hoje quero falar um pouco dessa energia, que tanto me ajudou e ajuda.
Então, meu amor, se desprenda de preconceitos e espero que tenha uma boa leitura.
Se há um lugar onde podemos sentir a força de Pomba Gira, esse lugar é o chão do terreiro. É ali que ela se manifesta em sua plenitude, sem máscaras, sem concessões. E quem é ela? Pomba Gira é um mistério que nos desafia a olhar para além das histórias que já nos contaram. Não é a prostituta, a diaba, a deusa, nem apenas a mulher de Exu, como alguns insistem em dizer. Ela é muito mais. Essas descrições, quase em sua maioria, são feitas por homens, homens que, nos números, são os que mais matam mulheres em nossa sociedade.
E o matar, não estou falando única e exclusivamente sobre o ato final de executar e terminar com a vida de uma mulher, produzindo ou reproduzindo o tão discutido feminicídio em nossa sociedade, tão presente. Estou aqui descrevendo homens que matam dentro de casa e as deixam vivas, aqueles que apagam a subjetividade, aniquilam sonhos, possibilidades, aqueles homens que sabem o lugar certinho de bater, aquele lugar que não deixam marcas, aqueles que estupram as suas esposas, as independências negadas dentro de relações e estruturas opressoras.
Pomba Gira choca porque ela desrespeita qualquer padrão de feminino que a gente tenta entender nesse mundo. Pomba Gira fala sobre a corporeidade do feminino e não somente sobre aquilo que a sociedade vai dizer sobre ser MULHER. Então, não vamos romantizar aquilo que um dia você, meu amor, leu sobre Pomba Gira. Porque, geralmente, o que você viu e ouviu falar sobre ser Pomba Gira não foi da boca dela.
De coração, se você tem alguma dúvida de quem é Pomba Gira, na hora que ela baixar pergunte: “Quem é você?” Mas cuidado, ela pode responder: “Eu só vou responder quem sou eu, quando você responder quem é você.”
Isso revela algo maior: o medo de mulheres livres. Um medo que reflete uma sociedade onde homens, sistematicamente, matam mulheres. E não falo apenas do feminicídio, que nos assombra todos os dias. Falo também das mortes silenciosas: os sonhos roubados, a subjetividade apagada, a independência negada.
O Espelho de Pomba Gira.
Pomba Gira é desconcertante porque quebra tudo que esperam de uma mulher. Ela nos chama para o espelho, mas não aquele espelho que só reflete a aparência. O espelho dela vai mais fundo. Ele nos devolve o que somos por dentro. Às vezes, não gostamos do que vemos. Não porque somos “erradas,” mas porque aprendemos a rejeitar a nossa própria verdade. Ela quer nos fazer entender que aquilo que olhamos no espelho nada mais é do que uma devolutiva do que a gente entrega para ele.
E Pomba Gira pergunta: “O que você está entregando ao espelho para que ele te devolva isso?” É um convite a se enxergar com honestidade e a fazer as pazes com aquilo que aparece. Não para caber em moldes, mas para se libertar deles.
O espelho não é culpado de nada; ele apenas reflete aquilo que você traz. Sendo assim, para além de entender a Pomba Gira quanto esse lugar da estética, esse lugar do “quem é,” ou ainda no lugar da identidade, é importantíssimo entendermos que é urgente sermos um pouco Pomba Gira.
Sinto que assim teremos um pouco mais de esperança no mundo, pois ela é a melhor resposta que temos para um Brasil que aniquila mulheres diariamente em nossa sociedade. Mulheres, se vocês se tornarem mais Pomba Gira, vocês terão mais coragem.
Ser Pomba Gira: Um passo de cada vez.
Ser um pouco Pomba Gira não significa, de repente, sair gritando ao mundo que você é independente e livre. Porque, sejamos sinceras, nem sempre essa independência vem com segurança. Se você está em uma relação abusiva, por exemplo, Pomba Gira não vai apenas te dar coragem; ela vai te guiar no processo de construir uma saída. E isso pode levar tempo. É um passo de cada vez: reconhecer, planejar e agir.
Libertar-se de um relacionamento violento, ou mesmo de uma vida que sufoca quem você realmente é, não depende só de você. Precisa de apoio, de recursos, de uma estrutura que te sustente. E é aqui que a força de Pomba Gira pode ser aquela fagulha inicial, aquele impulso que te lembra que você merece muito mais.
Desejo e direito à vida.
Quando falamos de Pomba Gira, o desejo está sempre presente. E sim, desejo é direito. O prazer é saúde, e o gozo é uma forma de existir plenamente. O gozo para as mulheres é um direito. Mas como gozar se há uma arma apontada para você, seja ela literal ou simbólica? Como encontrar prazer em uma vida onde suas vontades são negadas e sua essência é calada?
Pomba Gira nos lembra que o primeiro desejo que devemos cultivar é o de viver livres e plenas, com dignidade. Então, desejo para nós emancipação. Emancipação de um relacionamento violento, que às vezes vocês ainda não acordaram para isso porque estão naquela lógica: “Ah, ele não me bate, isso aqui é só ciúmes.” Então, desejo a vocês a possibilidade de sair de um relacionamento, mesmo que faça 40, 50 anos que vocês estão lá passando a roupa do filho — que agora leva o nome de marido — para que ele vá trabalhar e continue te traindo no cabaré enquanto você está preparando a janta para ele comer.
Quero que Pomba Gira toque as mulheres para que saiam mais independentes e emancipadas financeiramente dos relacionamentos. Que não precisem de dinheiro do companheiro para comprar as coisas básicas dentro de casa. Que não precisem se justificar sobre onde foi o dinheiro. Até porque dupla jornada de trabalho nenhum homem entende. Carga mental dentro de casa, homem nenhum entende.
Homens, se tornando mais Pomba Gira, vai fazer com que vocês parem de burlar a lei, de se tornarem pessoa jurídica para não pagar aquilo que devem para seus filhos, suas filhas e para a mulher que fica com toda a responsabilidade. PARE de esperar chegar o dia dos PAIS para fazer o papel que é sua responsabilidade.
Para as mulheres e para os homens.
E, queridas, deixo um recado também para os homens. Tornar-se um pouco mais Pomba Gira significa entender que o machismo não aniquila apenas as mulheres, mas toda a possibilidade de uma sociedade mais justa e feliz. Significa assumir responsabilidades, dividir cargas, respeitar a independência das mulheres e abandonar práticas que as ferem — das violências mais explícitas às mais sutis.
Um mundo com mais Pomba Gira!
Pomba Gira é coragem, liberdade, verdade. Ela é um convite a se reconectar consigo mesma, a enfrentar seus medos e a resgatar sua força. É sobre olhar no espelho e, mesmo que doa, se enxergar com amor e aceitação. Que Pomba Gira nos inspire a sermos mais livres, mais inteiras, mais nós mesmas. E que possamos, juntas, transformar este mundo em um lugar onde ser mulher não seja sinônimo de sofrimento, mas de celebração.
“Ser Pomba Gira: mais coragem, mais liberdade, mais você!”
Com amor e força,
Dani Jeronimo💃✨