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                 Pornè!

 

              A sexualidade feminina na antiguidade era uma Instituição de Estado.

Por Alíne Valencio.

Olá Deusa maravilhosa,

“Tu, Solon, encontraste uma lei para todos os homens. Ao que se diz, foste o primeiro a tomar essa medida salutar e democrática, por Zeus! Vendo em nossa cidade muitos jovens que sofriam os impulsos da natureza e se perdiam pelos maus caminhos, ele comprou mulheres e as instalou em diferentes bairros, prontas e dispostas a atender todo mundo”.
( Pg: 18, do livro Nos submundos da antiguidade. Autora Catherine Salles. Editora Brasiliense)

 

Esperei ansiosamente pelo dia de hoje, porque você já me conhece né? Assuntos ligados à sexualidade feminina e seu contexto me interessa e me instiga a, cada vez mais, ir em frente na causa feminina, até o fim. E leio muito a respeito de tudo que envolva o corpo feminino e quanto mais leio e estudo, mais eu quero dividir com você tudo que tenho a dizer, com o intuito de te inspirar a buscar sua liberdade incessantemente. Porém, o assunto de hoje é espinhoso, mas ao mesmo tempo fascinante. Como eu mencionei na matéria da semana passada darei continuidade ao processo de contextualização dos nossos corpos ao longo da história. E porque é fundamental esse conhecimento? Ora minha Deusa, como poderemos ser livres de verdade se não tivermos conhecimento de todo o processo colonizatorio de nossos corpos?

Como poderemos desbravar nossa liberdade plena se não conhecermos nosso passado? Não dá né? Por isso, como te falei na semana passada, vou discorrer para você como a mulher era vista e tratada na antiguidade, mais precisamente na civilização grega. Com isto, você será capaz de compreender as razões pelas quais até hoje somos destratadas e desmoralizadas. Ademais, toda essa contextualização te proporcionará traçar um panorama histórico e social acerca da sexualidade feminina por toda a história da humanidade. E você será capaz de traçar paralelos com o sociedade atual e se convencer de uma vez por todas de que nem tudo mudou quando se trata de nós mulheres, embora tenhamos conquistado tanto quanto jamais poderíamos imaginar não é mesmo?

Pelas próximas semanas usarei uma obra para amparar minhas explanações, que eu já mencionei aqui na semana passada. Inclusive já comecei citando –a , aqui, no início dessa matéria, que é o livro “Nos submundos da Antiguidade”, de Catherine Salles. Minha querida deusa, esteja ciente que lá na civilização grega, mesmo nas grandes metrópoles aqueles que não se enquadravam nas estruturas sociais também eram marginalizados. Sendo mulher então, era um fato!

Minha amiga, vou contextualizar rapidamente como estava estruturada a sociedade greco- romana na antiguidade para que você possa destrinchar comigo a trajetória a respeito da história da sexualidade feminina. Vou citar três cidades gregas: Atenas, Corinto e Alexandria. Eram cidades que gozavam de uma reputação que fez delas, em épocas diferentes, polos de atração para viajantes provenientes de todos os países do mundo “civilizado”. E se considerarmos que para os antigos, as cidades eram sinônimos de segurança, já é possível conjecturar que as mulheres eram apenas um produto que era negociado conforme a vontade dos homens, uma vez que nessas três cidades em especial, nem sempre foram os interesses políticos, comerciais ou intelectuais que atraíam os turistas. Ao contrário, muitos eram atraídos pelos prazeres obscuros que somente grandes concentrações urbanas podem oferecer. Você vai ver isso já já. Chego lá daqui a pouco, então continue me lendo.

From Punch’s Almanack 1899.

Vou me concentrar em apenas uma dessas três cidades que eu mencionei porque ela cumpre o papel de abarcar todo o argumento que eu quero abordar com você hoje. Você sabia que Atenas, ao contrário que que imaginamos estava longe de ser uma grande metrópole? Contudo, ainda assim a cidade era misteriosamente atraente para os prazeres da carne. Sabe porque? Porque a prostituição era institucionalizada. Existia um bairro em Atenas que se chamava Cerâmico e era lá que se concentravam as “Casas de Prazer”. Inclusive nas muralhas que marcavam os limites ao norte da cidade,  eram afixados avisos de encontros, declarações de amor, e essas inscrições permitiam saber quem eram as amantes de quem. Esse bairro em nada se comparava a um lugar reservado e sua reputação tanto ligava-se às as oficinas que produziam cerâmica quanto aos prazeres fáceis que ele oferecia aos estrangeiros, comerciantes e viajantes. Mas o mais constrangedor de tudo isso é que nas suas ruas populares se encontravam as casas de “acolhimento”, previstas pela legislação ateniense.

Pera lá! Legislação? Isso mesmo minha amiga, as casas de prostituição em Atenas eram legalizadas e inclusive foi em Atenas que se formou uma organização do prazer sujeita a impostos, que serviu- pode-se dizer- de modelo tanto para as antigas civilizações como para modernas. Existia em Atenas um homem chamado Solon, era o que se chamava na época de “legislador”. Você sabe o que poder legislativo faz minha Deusa? Qual é sua atribuição? É criar leis. Logo, ele era o responsável por criar, instituir e fazê-las valer. Solon, era considerado pelos gregos o pai dessa organização e embora nem todas as reformas que o gregos atribuem a ele, tenha sido efetivamente realizadas por ele, continua a ser- segundo a tradição- o pai fundador da democracia ateniense.

E agora abro um parênteses para enfatizar que essa democracia era assim considerada partindo de um pressuposto machista e predatório, porque entre as modificações sociais que ele introduziu na estrutura social de Atenas, há a que divide os cidadãos em classes censitárias, e em certa medida, procede também a uma divisão das mulheres na sociedade. Minha amiga, faço questão de lembrar o que aprendemos nas aulas de história na escola: As mulheres nessa época não eram consideradas cidadãs, ou seja, essa “democracia” instituída por Solon não era benéfica para as mulheres. Ao contrário, estava a serviço do conservadorismo e dos bons costumes. Até porque, segundo essa legislação, para as mulheres, essa classificação não se fundamenta em fortuna, como para os homens, mas numa hierarquia de atribuições sexuais. Acredite se quiser! E nem é preciso dizer que, essa classificação evidentemente diz muito a respeito do papel que era atribuído às mulheres na sociedade grega! Vejam só como era feita essa divisão entre mulheres:

“Temos as prostitutas para o prazer, as concubinas para os cuidados diários, as esposas para ganharmos uma descendência legítima e serem fiéis guardiãs do lar”. ( pg.20)

Essa medida de Solon sobre a prostituição, se apresenta, antes de mais nada, como medida de saúde pública, destinada em primeiro lugar a preservar a pureza de raça. Isso implica em dizer minha querida, que o intuito era servir os desejos dos jovens, para proteger a castidade das mulheres livres ( leia-se por mulheres livres, somente as obedientes) e para garantir a descendência dos cidadãos, que ele comprou, isso mesmo! comprou jovens escravas e as instalou em casas distribuídas em diversos pontos da cidade. Veja bem como ele se referia às mulheres:

“Os jovens da nossa cidade podem encontrar no lupanar belas jovens, que podem ser vistas, aquecendo-se ao sol, com o busto nu, dispostas em fileiras. Cada um pode escolher a jovem que convenha a seus gostos, esbelta ou gorda, roliça, alta, magra, jovem, ainda fresca ou já bastante madura….” (pg. 20)

O parágrafo continua , mas ao meu ver, esse pedaço já reflete tudo que precisamos para constatar que a mulher grega era apenas um produto. Você está atinando agora os motivos pelos quais se faz urgente conhecer a história da mulher para que possamos traçar comparativos claros e precisos afim de compreendermos porque as coisas são como são ainda em 2024 para nós mulheres e de onde vem toda a conjuntura histórico social que nos oprime?

Sabe o que ele fez com o lucro extraído do comércio dessas mulheres? Construiu um templo para Afrodite “comum a todos”. Nem preciso te explicar o termo “comum a todos” e o olhar sobre o qual esse templo se debruça não é mesmo minha Deusa?

As mulheres dessas casas públicas são designadas com o termo Pornè, que etimologicamente significa “vendida” ou  “ à venda”, uma alusão não à profissão, considerada degradante, mas ao fato de que sendo em grande maioria, escravas – haviam sido vendidas num mercado. Esse termo, tinha um sentido pejorativo, assim como todos os outros que se formaram a partir dele, e só era usado para tachar prostitutas de “baixa categoria”. Já as prostitutas de alto escalão eram conhecidas como cortesãs  ou “companheiras”. E é bom lembrar que a língua grega é particularmente rica para designar homens ou mulheres que vivem do comércio de seus corpos.

Minha querida Deusa, esse é só o início de uma longa jornada de expansão de consciência a respeito do universo da sexualidade feminina e da banalização, degradação e rebaixamento do entendimento do que é a sexualidade feminina que até hoje continuam permeando nossa realidade.

Na semana que vem tem mais. Por ora, aproveite essa semana para se auto estimular a             questionar se as coisas que você acredita como verdade, realmente são verdade ou você quer acreditar que elas são verdade somente para não mergulhar dentro de si e buscar a verdade em relação ao que nos ensinaram a respeito de nossos corpos.

Me conta depois,

Um beijo com muito amor,

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Alíne.

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