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Uma filosofia do desejo.

                           A institucionalização do corpo feminino.

Por Alíne Valencio.

Mulheres maravilhosas,

Passei a semana aguardando para conversar com você novamente a respeito da dominação e vilipêndio dos nossos corpos ao longo da história, e que eu já comecei a debater na semana passada. Gostaria de rememorar o motivo pelo qual sempre reforço a necessidade de conhecer historicamente a trajetória da sexualidade feminina. Antes porém, faço questão de enfatizar que sexualidade, ao contrário do que aprendemos na nossa sociedade, não se limita somente ao ato sexual e nem tampouco à penetração, ou à obtenção de prazer. Sexualidade está diretamente ligada com o autoconhecimento da alma, mas também do corpo, entendendo-o como templo sagrado. Sexualidade vai muito além dos rasos e limitados pré- conceitos sociais hierárquicos de uma sociedade milenar machista e misógina. Mas, isso é assunto que já foi abordado em outras matérias. Logo, se você pretende expandir sua consciência e visão a respeito do seu corpo e sua história, te convido a fuçar aí nas matérias passadas pois em algum lugar você vai encontrar o que é realmente sexualidade.

Agora estamos em outra etapa dessa coluna, embora o tema central seja sim a sexualidade e os corpos femininos. Portanto, vamos ao que interessa. Como vimos na semana passada, desde a Grécia antiga, nossos corpos são aviltados e escravizados, principalmente porque o que mais soa para mim, a partir desses estudos é que nada mudou quando se trata de nós mulheres e nossos corpos. A visão grega sobre o amor era extremamente machista e só era considerado bem sucedido quando obtinha prazer físico. E é claro que quem obtinha esse prazer era o homem.

Veja só um trecho do livro que estamos abordando aqui, sobre como éramos vistas:

“Mulheres”, “corpo”, estupidez”:  a justaposição desses três termos  é significativa das concepções gregas e é fácil compreender que a regulamentação da prostituição por Sólon testemunha o desdém geral que suscita o sexo feminino. Se as esposas desfrutam de certa consideração à medida que põem no mundo os futuros cidadãos, as prostitutas são relegadas, pelo menos teoricamente à categoria de objetos de prazer, desprovidas de qualquer personalidade”.

( Trecho do livro: Nos submundos da antiguidade. Autora: Catherine Salles. Editora Ática. Pag. 24).

Deusa, vamos destrinchar esse parágrafo aqui? Vamos começar pelo trecho “se as esposas desfrutam de certa consideração `a medida que põem no mundo os futuros cidadãos…” Te juro! Parece que estou vendo as pessoas hoje em 2024 falando, e veja que a civilização grega existiu em 1100 antes  de Cristo. Olha só quanto tempo se passou e os corpos femininos são vistos e tratados da mesma forma:  violentados. Você percebeu o trecho no qual fica claro que somente desfrutam de consideração as esposas? Quer dizer, mulher só tem valor se casar,  e em especial as que põem filhos homens no mundo. Até pouco tempo atrás tínhamos no governo um presidente que considerava filhas mulheres uma “fraquejada”. Amiga, você percebe que numa frase dessa contém o mesmo teor de degradação da mulher? Ou você acha que a visão de um homem que se refere à mulheres dessa forma é diferente do que está escrito no parágrafo acima? Percebe que se ainda hoje existem homens que se referem dessa maneira às mulheres, é porque pouco evoluímos no que concerne ao sexo feminino?

Continuando na análise desse parágrafo no trecho: “…as prostitutas são relegadas, pelo menos teoricamente à categoria de objetos de prazer, desprovidas de qualquer personalidade”. Minha querida musa, por acaso prostitutas não são mulheres? Sim são. Pois é, então pouco importa se elas são profissionais do sexo ou não. O que importa é que elas são mulheres, assim como qualquer outra. Portanto, se uma mulher, seja ela quem for é apenas vista como objeto de prazer, porque raios você acha que as outras não serão? Você compreende? A partir do momento que qualquer mulher é vista como objeto de prazer, as outras também são, ainda que não sejam profissionais do sexo. E essa realidade é produto desse contexto histórico e se reflete no comportamento de muitos homens para conosco. E é por isso que a gente não pode permitir determinados tipos de atitudes por parte do sexo masculino. Mas, só conseguiremos nos impor, a partir do momento em que nos conhecemos por completo, e se conhecer por completo faz parte do conhecimento histórico e social.

E você pode estar indignada agora e pensar: “Que absurdo. Eu nunca vendi meu corpo”. Então, eu te pergunto: Tem certeza? O que é vender o corpo? Amiga, me perdoe, mas, infelizmente todas nós, um dia vendemos nosso corpo, dada a educação misógina e machista na qual fomos educadas. Infelizmente. Quer ver? Tenho certeza que você já se humilhou, já se diminuiu, já se fez de tudo para ficar com um homem, já transou com ele porque acreditou que se cedesse, se o agradasse, ele ficaria com você para sempre e vocês seriam felizes. E pior, talvez, você tenha pagado a conta, levado ele para casa e enviado mensagem no outro dia e ele não teve sequer a consideração de te responder. Isso já aconteceu com você? Pois é. Comigo também. E com tantas outras mulheres. Tenho certeza que você já disse que gostava de algo, sendo que não gostava somente para agradar ele. Ou não? Pois bem, eu sabia! Todas nós lamentavelmente já fizemos isso. E agora eu te pergunto: Você acha que “se vender” está relacionado apenas ao corpo físico?

Se você pensa assim, sinto muito, mas sua visão é extremamente limitada. Todas nós já vendemos nossos corpos ao transarmos com um homem só por acreditar que se o agradássemos ele ficaria conosco para sempre. Todas nós já vendemos nosso corpo quando nos rebaixamos, nos humilhamos e fizemos coisas que não queríamos fazer só porque fomos ensinadas que uma mulher sem homem não tem valor. Ora, por acaso isso não é “vender mulheres”? Amiga, raciocine. Na nossa sociedade somos vendidas a todo momento, quando apenas temos valor se tivermos um homem do nosso lado. Nos vendemos quando julgamos outra mulher pela profissão que ela tem, pela roupa que ela veste, e quando competimos com ela por conta de um homem. Nós vendemos nossos corpos quando acreditamos que precisamos casar de qualquer jeito para sermos aceitas.

Outra coisa muito séria que vou te dizer aqui. E vai doer muito. Somos vendidas no momento em que nos guardamos para nossos maridos. Ora minha deusa, se somos ensinadas a transar somente depois do casamento, o que estão fazendo com gente hein? Não está claro para você? Acorda amiga. Estão vendendo nosso corpo para apenas um homem, que vai usufruir dele. Quer dizer, viramos moeda de troca. Além disso, vendem junto nossa capacidade e direito de escolha, nossa liberdade, e nosso direito de gozar. Claro né? Vamos ter que aceitar que só existe um jeito de gozar, uma vez que não tivemos experiências sexuais antes do matrimônio.

Vendemos nossos corpos minha deusa, quando acreditamos que é pecado tocar nossos órgãos sexuais, ou quando um homem, padre, pastor, rabino, que não tem uma vagina, quer dizer o que devemos ou não fazer com ela. Isso é vender o corpo. Ou por acaso, sua capacidade de raciocínio está separada do seu corpo? Me diga, seu livre arbítrio está dissociado do seu corpo? Não né? Pois é. Vá pensando a respeito de tudo que estamos conversando e depois venha me contar o que você pensa a respeito ok?

E antes de continuar, eu digo que, se a prostituição era uma instituição de estado e sendo as prostitutas mulheres como outra qualquer, então é fácil afirmar que institucionalizaram nossos corpos  e ele passou a ser propriedade do estado, da igreja, da família, do homem. Menos nosso. E não vá me dizer que não é assim hoje em dia, porque é sim. Ou seja, se institucionalizaram o corpo feminino, seja ele qual for, isso implica, necessariamente em afirmar que nos tornamos propriedade.  Era assim que acontecia na Grécia antiga. Fundadas em nome dos interesses públicos –diga-se, interesses masculinos- as casas de prostituição públicas de Atenas conservavam-se sob controle do estado. Afinal, as prostitutas eram mulheres e as mulheres eram tratadas como prostitutas. Sendo assim, o estado ateniense encarregava-se de proteger em certa medida, os interesses das prostitutas, ou melhor, dos gerentes das casas públicas. E quem eram os gerentes das casas públicas? Homens, e em alguns casos, lamentavelmente mulheres, funcionários do estado.

Se você acha que já terminou, te digo que pode ser pior. Você sabia que naquela época era extremamente comum, que homens ricos, considerados honrados, contassem entre suas numerosas fontes de renda os ganhos proporcionados por várias casa de prostituição? Com efeito, se tratava de uma forma de trabalho servil, portanto,  um proprietário pode extrair de seus escravos ( vulgo escravas sexuais) o lucro que desejar, da maneira que desejar. E não tinham nada de vil nisso, para eles. Indignante né?

Finalmente, chegamos ao fim desta matéria e eu quero te provocar uma reflexão. Ainda hoje, muitas das nossas atitudes, pensamentos e comportamentos inconscientes são reflexo sim de todo esse contexto milenar arraigado nas nossas palavras, nos nossos julgamentos, no nosso ego e na nossa cegueira. E mesmo tendo evoluído muito em termos tecnológicos não evoluímos praticamente nada enquanto seres humanos no que diz respeito à sexualidade, principalmente a feminina. E isso impacta nossa vida concreta, nosso dia-a-dia, nos nossos relacionamentos e suas consequências. Dessa forma, aproveite a semana para pensar o quanto você, como mulher, ainda tem contribuído para que essa conjuntura social se perpetue. E eu sei que se o faz, tenho certeza que não é de propósito. E sim, porque você, assim como eu e todas as outras somos frutos de uma sociedade machista. E é por isso que essa coluna te traz tantos questionamentos. O intuito é exercitar sua capacidade de observar suas atitudes inconscientes e ressignificar para ser plenamente dona da sua vida.

Um beijo carinhoso.

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Alíne.

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