POr Mônica Bonna.
Olá rainhas! Espero que estejam todas bem! Bem-vindas de volta a mais um post da coluna M.Atriz – a área onde trago, quinzenalmente, reflexões sobre o universo feminino no teatro.
Hoje quero abordar um assunto muito delicado, que com certeza, será levantado em outras oportunidades no futuro, pois dá “muito pano pra manga”: A vulgarização da profissão ‘atriz’.
Poderia contar diversas histórias, pessoais – inclusive – sobre as vezes que me senti exposta negativamente, ou que se referiram a mim de maneira ofensiva pelo simples fato de ser atriz. Mas esse assunto começou muito antes de mim. Quero te convidar a fazer uma viagem no tempo, e relembrar comigo, a trajetória da mulher no teatro.
Os primeiros rastros de teatro na história da humanidade são “informais” e não eram ainda considerados ofício. Até porque, atuação em sua forma mais rústica, é a capacidade de encenar uma situação, “fazer de conta” algo. Margot Berthold exprime em seu livro “História Mundial do Teatro”: “A transformação numa outra pessoa é uma das formas arquetípicas da expressão humana. O raio de ação do teatro, portanto, inclui a pantomima da caça dos povos da idade do gelo e as categorias dramáticas diferenciadas dos tempos modernos”. Apesar de supor que mulheres também encenaram situações cotidianas como: como tiveram que proteger filhos de predadores… vamos nos ater ao que está documentado.
Fazendo um apanhado geral, mesmo depois do teatro ser reconhecido como um ofício, demorou muito para que as mulheres fossem reconhecidas por sua profissão, ou sequer permitidas de atuar.
Foi apenas no século XVI, através da Commedia Dell’Arte – gênero teatral originado na Itália – que as mulheres tiveram o primeiro reconhecimento artístico com atuação. Ainda assim, a reputação dessas mulheres que não trabalhavam realizando tarefas domésticas, era frequentemente associada à prostituição.
“Apesar de existir certo pioneirismo quanto a atuação feminina em Commedia Dell’Arte, bem como sua liberdade em âmbito geral, este movimento também se restringia. A gênese teatral é concebida por meio de arquétipos helenísticos, com base em uma relação patriarcal, em que as mulheres não eram vistas sequer como cidadãs da polis. (…) Neste âmbito, a proibição da participação de mulheres em atuação e acusação de liberdade, tinha sobretudo uma relação com a luxúria, pois, pelo imaginário da sociedade italiana da época disposta, as mulheres tinham de ter bons modos, fazer apenas atividades domésticas, honrar a família e, sobretudo à Deus, pois as questões da sociedade eram sempre relacionadas ao movimento medieval; além disso, as mulheres que se arriscavam a tentar participar da teatralidade, tinham má fama, pois o termo atriz era tido como sinônimo à prostituição” (1. PUERTAS, 2019).
“Ser uma cortesã\atriz era a única possibilidade para uma mulher que não aceitasse ser freira, prostituta, de fato, ou dona de casa. Neste contexto, rapidamente, a igreja e a sociedade patriarcal tratou de as confundir, travestir, por muitos anos, concordando com seu valor igualado às prostitutas. Até hoje, persiste essa névoa sobre a proximidade entre atrizes e prostituição. Todas essas mulheres, de alguma forma, vistas como obscenas, estavam condenadas à marginalidade ou à invisibilidade histórica, ou ainda, à morte. Por isso, a máscara cômica da Cortigiana revela e expõe parte dessa ambivalência entre erudição, erotismo e comicidade.” (2. CARDOSO, p. 238, 2018)
Fiz questão de destacar esses dois textos para dizer que esse assunto é antigo e a causa geradora, mais antiga ainda -o patriarcado. Esse é particularmente um assunto que costuma me inflamar… Então hoje vou afunilar a conversa na associação de atrizes à prostituição.
Essa semana estava conversando com uma amiga que teve que sair de casa, pois o relacionamento dela com a família ficou insustentável. O simples fato dela ser atriz, era motivo para discussões sobre moral e ofensas.
Não preciso nem ir muito longe… Eu mesma enfrentei diversas situações desconfortáveis por ser atriz. Ao longo da minha carreira, quantos não foram os comentários com segundas intenções, olhares… Bastava falar: “Sou atriz, trabalho com teatro” e já me perguntaram se eu fazia todo tipo de trabalho, se já fiz filme pornô. Já mandei material para teste e pediram nude. Já pedi informação para job e depois falaram que era ficha rosa… Infelizmente, isso é muito mais comum do que eu gostaria… Pode perguntar para qualquer atriz, a maioria – para não falar todas – vão ter alguma história parecida para contar.
Minha opinião pessoal: Mulheres adultas são livres para oferecer ou não conteúdo adulto se assim quiserem ou escolherem. O intuito aqui da coluna não é julgar, condenar, envergonhar qualquer comportamento de outras mulheres, mas sim, desvincular a profissão “atriz” da promiscuidade.
Isso não está necessariamente relacionado à profissão. Muitas colegas professoras, fisioterapeutas, entre outras, já me contaram que o simples fato delas serem capazes de se expressar bem publicamente e não temer expor seus pontos de vistas, já foram motivos suficientes para serem tachadas como “putas”. No teatro, isso acaba ficando escancarado porque nosso trabalho gera mais exposição…
O que fazer, então? Precisamos, primeiramente, falar mais sobre esse assunto e iniciar debates com nossas colegas – conscientização e entendimento sobre o assunto é essencial para gerar uma mudança. Estando cientes desse fato histórico que se perpetua injustamente, precisamos impor limites (denunciar ofensas, expor comportamentos invasivos, condenar esse tipo de discurso machista quando vier à tona e etc). Por último, precisamos constantemente fazer uma manutenção de nossa percepção feminina: organizar grupos e movimentos para que estejamos em sintonia e sempre cientes do nosso valor, das nossas escolhas e reconhecermos quem somos, independentemente do que os outros dizem e impõem. Precisamos entender e manter vivo em nossa mente que a única pessoa que tem direito de rotular seu comportamento, é você mesma. E isso deve ser respeitado por todos.
Espero que tenham gostado desse texto de hoje…Com certeza voltarei a tocar nesse assunto… Por hora, gostaria de saber de vocês: O que pensam sobre tudo isso? Já passaram por situações parecidas? Se sim, como lidaram? Vocês têm mais alguma ideia de como podemos mudar esse padrão?
Beijinhos e até a próxima.
Mônica Bonna.
Referências:
- PUERTAS, M. B.L’importance de la commedia dell’arte au théâtre de molière. Espanha: Saint-Jacques de Compostele, 2019. Graduação em Letras -Língua e Literatura estrangeira -Faculdade de Filologia. Orientador: Manuel García Martinez. Universidade de Santiago de Compostela (USC)
- CARDOSO, M. C. B. O. Ópera, Commedia Dell ́Arte e palhaçaria feminina: estudos a partir da ópera Pagliacci de Ruggero Leoncavalo. São Paulo: Rebento, n. 8, p. 226-243, 2018.