Cinema de mulheres- uma voz de resistência e identidade feminina.
Por Alíne Valencio.
Mais Minha do que nunca– Vanessa, você é uma mulher de cinema. Mas sempre foi assim? Conta um pouco para a gente sua trajetória na arte.
Vanessa Cançado: Não, não foi sempre assim. Meu início nas artes foi pelo Teatro, como atriz, diretora e produtora. Me formei em Curitiba pela FAP – Faculdade de Artes do Paraná em teatro. Depois que me formei fui fazer uma pós em cinema oferecido pela Universidade Tuiuti também em Curitiba. Mas já flertava com o cinema como atriz e como cinéfila. Era 1998, quando o cinema era película ainda. Sempre gostei de escrever e sempre escrevi muito. Poesia, dramaturgia e cinema. Mais tarde, em 2011 comecei a migrar pro cinema e audiovisual com mais afinco. Aí já morava na Bahia, em Salvador, que é tudo de bom. (risos) E atualmente, morando no Rio de Janeiro desde 2017, trabalho muito mais com audiovisual, no cinema como roteirista e produtora, de vez em quando em direção.
Mais minha do que nunca– O que o cinema significa para você? Em especial o cinema feito por mulheres?
Vanessa Cançado: Liberdade, um sopro de vivências. O cinema feito por mulheres é poder ter narrativas em via dupla. As mulheres ,que durante décadas e mais décadas não podiam nem imaginar em trabalhar, quiçá realizar um filme. Durante muito tempo as mulheres de cinema tinham uma única oportunidade, a de atuar e sempre em papéis frágeis, burros e com uma única visão – a dos homens. Hoje ainda estamos longe de estar no patamar ideal, mas temos um progresso e podemos contar as histórias com nossos olhares, que é muito mais interessante porque tem outras camadas. E podemos ver mulheres de cinema em todas as funções. Isso é maravilhoso!
Mais Minha do que nunca– Por que o cinema nacional feito por mulheres é importante para o contexto político social brasileiro? Aliás, para você cinema é política?
Vanessa Cançado: Sim, total. Nós todos somos seres políticos. Acho curioso quando alguém diz que não gosta de política, porque pra mim está dizendo que não gosta de si e das pessoas. O cinema nacional como um todo é importante, porque ele fala de nós seres brasileiros, de nossa identidade e questiona o status quo. O cinema, em particular o realizado por mulheres, avança um patamar nessa questão. Coloca a nós mulheres definitivamente como indivíduo na sociedade, que ainda é muito patriarcal. Além de que trata de questões diversas com uma sensibilidade incrível própria do olhar feminino. Mesmo quando este é mais duro.
Mais minha do que nunca– Você acredita que o cinema feito por mulheres é um veículo de resistência e luta feminina contra o sistema patriarcal?
Vanessa Cançado: Sim, mais que luta ele é uma constatação de que existimos e de que não vamos retroceder e de que seremos mais e cada vez mais. Eles que lutem! (risos).
Mais Minha do que nunca– A voz das mulheres do audiovisual brasileiro está galgando seu espaço? Quer dizer, o cinema que as mulheres fazem tem atingido o objetivo de fortalecer e consolidar o espaço de direito da mulher?
Vanessa Cançado: Sim muito. Mas ainda precisamos abrir estradas a fórceps, muitas das vezes. O famoso mansplaining nos persegue, além dos inúmeros problemas que enfrentamos com assédios. Mas cada vez mais vemos mulheres se destacando em inúmeras funções, o que é importante para vermos não apenas o produto em si, mas quem está por detrás dessa engrenagem. Por isso na coluna Plano Detalhe procuro falar de diversas funções exercidas por elas, que não só na direção. E mulheres diversas também, quero falar do cinema da mulher branca, mulher negra, mulher indígena, LGBTQIAPN+, trans e muito mais.
Mais minha do que nunca– Como você acredita que o audiovisual brasileiro pode contribuir ainda mais para a luta feminina?
Vanessa Cançado: Quando falamos em audiovisual é importante enfatizar que somos nós pessoas de cinema, de audiovisual que formamos essa arte. É não esperarmos somente os outros. É nos evidenciarmos também. Aí pergunto: quantas mulheres, você como mulher, contrata no seu set? Quantos filmes dirigidos por mulheres você assiste? Quantas são mulheres negras, indígenas? Isso também é importante. Porque o audiovisual é uma arte coletiva, feito por pessoas e muitas mãos.
Mais minha do que nunca– Você foi indicada ao Grande Prêmio de Roteiro na categoria Longa-metragem Award Winner, pelo Festival Sorocaba Films, com o roteiro Flor de Outono. Você pode contar do que se trata esse roteiro e quando poderemos vê-lo nas telas do cinema?
Vanessa Cançado: Pra ver o filme no cinema ainda vai demorar um pouquinho, porque infelizmente fazer, produzir filme no Brasil ainda é muito demorado. Pretendo filmá-lo ano que vem, se tudo ocorrer como planejo (risos). O roteiro está em fase de novos tratamentos e consultorias, para então ficar pronto para filmagem. Foi maravilhoso esse incentivo. O feedback foi excelente e ajudou muito para o novo tratamento que estou realizando. O filme tem como tema Alzheimer. Esse tema veio com a minha mãe que teve a doença e que faleceu em 2021. Já vinha escrevendo sobre o assunto quando ela ainda estava viva, mas quando morreu precisei me afastar um tempo. E depois em 2022 retomei o argumento e em 2023 desenvolvi o primeiro tratamento. Porém, não queria escrever a história de minha mãe ou minha, mas sobre as pessoas que estão ao redor da pessoa com a doença. Porque no fim todos adoecemos um pouco. Então, essa parada foi importante. Depois, quando retomei foi com outro olhar e fui buscar locais seguros para tal. Através do Projeto Marieta consegui desenvolver o argumento e depois o primeiro tratamento. Super indico o projeto para roteiristas porque o processo lá ajuda muito no desenvolvimento de nossos projetos e a percebermos que não estamos sós. São varias pessoas, roteiristas com seus projetos também, um dando força ao outro e contribuindo na construção do outro. Mas o filme apesar de ter o tema do Alzheimer, aborda muito mais amor e os relacionamentos intergeracionais. São três mulheres de três gerações diferentes aprendendo a conviver com a doença que a mais velha tem. O filme tem em sua maioria personagens femininas e explora esse universo do ponto de vista de quem convive, e não de quem tem a doença. E vou formar uma equipe técnica e criativa também de mulheres. Esse é meu objetivo.
Mais minha do que nunca– Esse passo importante e lindo na sua carreira é inspirador para muitas mulheres que se sentem desencorajadas. Para nós da revista Mais Minha do que Nunca é um orgulho ter uma colunista finalista num grande prêmio de roteiro de cinema. Como seu roteiro pode colaborar com o universo feminino em geral, ou seja, inspirar uma mulher que, nesse momento tenha um roteiro nas mãos, mas de alguma forma está se depreciando?
Vanessa Cançado: Digo, façam! Quando me disseram: Feito é melhor que perfeito, foi libertador pra mim. Quem me disse isso foi Marilia Nogueira (idealizadora do Cabíria). Tenho até essa frase no mural do meu escritório (risos). Se não consegue sozinha, se sente sem forças, procure lugares como o Projeto Marieta, que contribuem muito para desenvolvermos nossos roteiros. E vamos fortalecer uma a outra, porque é isso que fará a diferença. Vejam filmes feito por mulheres, leiam mulheres, empreguem mulheres nas mais diversas funções nos seus sets. Se joguem mulherada, é isso que tenho a dizer.